Figura habitual no Porto/Post/Doc, “The Natural History of Destruction” assinala também o regresso de Sergei Loznitsa ao diálogo que tem mantido com o imaginário literário de W.G.Sebald. Depois de “Austerliz”, obra em que parte do romance homónino do autor alemão para reflectir sobre a forma como a memória do holocausto perdura no imaginário colectivo, “The Natural History of Destruction” volta a incidir nesse período hediondo da história da civilização, mas ao contrário do documentário de 2004 este consiste integralmente em imagens de arquivo filmadas durante a Seguda Guerra Mundial. Como é hábito na obra do realizador ucraniano, o sentido das imagens e da sua realidade continuam um campo aberto de significação – pese embora a presença de efeitos de som, um acrescento que para além de eventualmente adocicar a atenção do espectador, reforça o que de mais literal é mostrado. E aquilo que é mostrado é uma sucessão de bombardeamentos aéreos de parte a parte, Aliados e Nazis colocados naquilo que parece ser uma equivalência com um propósito provocador, ainda que essa provocação não sirva exatamente um lógica do “choque” ou, se quisessemos descer uns furos abaixo, de “polémica”.

A provocação surge aqui pela mobilização do arquivo e da aura de verdade que esse gesto pode conter, um confronto com o passado que nos devolve uma interrogação sem resposta sobre o envolvimento da sociedade civil num conflito desta natureza. De certa maneira, este é o lado menos conseguido da proposta de Loznitsa, a invocação de imagens de arquivo aparece aqui não enquanto exercício meta-cinematográfico, antes como um dado adquirido: uma bomba é uma bomba, um soldado é um soldado, um morto é um morto – e no cair do pano somos todos peões. Mais do que uma releitura da história tornada possivel pela (re)conceptualização de mecanismos de (re)configuração do real como o são o cinema e a fotografia, Loznitsa fica-se pelo sublinhado ambíguo quanto ao lugar da justiça no meio de uma guerra mundial. Por outras palavras: uns belos furos abaixo da sofisticação conceptual (e já nem digo pertinência sociológica) de “Austerlitz”.

O que não quer dizer que esta questão da “proximidade”, ou “visiblidade” não esteja presente. Um dos momentos mais interessantes do documentário é precisamente aquele em que uma alta patente, o oficial Bernard Montgomery, se desloca a uma fábrica de armamento na Inglaterra para proferir um daqueles discursos de mobilização, enfantizando a importância daquele gesto de proximidade, a importância dos trabalhadores poderem ver de perto um oficial, de modo (em termos muito simplificados) a mais facilmente se sentirem parte de um colectivo com um objectivo comum, ainda que ao contrário dos soldados não se encontrem na frente da batalha. Ora, é nesta ambiguidade que Loznitsa melhor se movimenta – fica a sensação que o alemão comum se sentasse à mesma mesa com o inglês comum, esse mesmo efeito de identificação seria inevitavelmente reproduzido, ainda que o realizador evite reduzir tudo a um esquema declaradamente óbvio e simplório.

Fora isso, “The Natural History of Destruction” usa e abusa da iconografia da destruição, uma devastação sem fim à vista que contamina toda a dimensão do real – sem nunca pensar verdadeiramente o lugar da imagem no meio de tudo isto.

Pontuação Geral
José Raposo
the-natural-history-of-destruction-para-uma-gramatica-da-devastacao"The Natural History of Destruction" usa e abusa da iconografia da destruição, uma devastação sem fim à vista que contamina toda a dimensão do real - sem nunca pensar verdadeiramente o lugar da imagem no meio de tudo isto.