“Que, nos perigos grandes, o temor  é maior muitas vezes que o perigo”

Assim falava Luís de Camões, nos Lusíadas, sobre o temor, esse sentimento que se infiltra, se espalha e impacta os destinos individuais. E esse temor, esse medo, essa força que nos impede de progredir e que claustrofobicamente nos encerra em nós próprios tem sido um dos focos de atenção do cineasta italiano radicado em França Filippo Meneghetti, que depois de duas curtas-metragens – “ L’Intruse” (2012),  em torno da imigração; e o temor às forças das trevas em “La Bête” (2017) – volta a colocar o medo no (enorme) coração da sua primeira longa-metragem, “Deux”, um objecto elegante onde a autocensura, a recusa em assumir um amor perante a família, despoleta uma série de acontecimentos que põem em xeque as duas protagonistas desta estória: Nina (Barbara Sukowa) e Madeleine (Martine Chevallier), duas idosas, meramente vizinhas aos olhos de todos, mas amantes no seu íntimo.

Diariamente, ambas vão e vêm entre os seus apartamentos e compartilham a vida, longe dos olhares alheios, incluindo de Anne (Léa Drucker) e Fréderic (Jérôme Varanfrain), filhos de Madeleine. Quando Madeleine sofre um acidente vascular cerebral, a ligação amorosa privada que se esperava ser anunciada ao mundo torna-se um enorme problema, pois incapacitada após o AVC, e ainda com receio de magoar os filhos, Madeleine está confinada a um silêncio ensurdecedor, enquanto Nina vê-se afastada da sua vida, pois oficialmente não faz parte dela.

Tal como nos filmes anteriores, Filippo Meneghetti volta a requisitar os códigos do thriller e do noir para encarar de frente um melodrama de tradição clássica, onde não faltam ainda elementos de romance e até filme social, especialmente quando entra em cena um conflito burguês-proletário, através da luta perniciosa entre Nina e a cuidadora contratada para tratar de Madeleine.

Apesar de algumas explosões emocionais materializadas fisicamente através da personagem de Nina, onde amor, desespero e obsessão se misturam por diversas vezes de forma tóxica, “Deux” é um filme essencialmente composto por silêncios constrangedores, olhares delicados e gestos contidos, materializados por duas atrizes (Sukowa e Chevallier) em profundo estado de graça, a que se junta uma Léa Drucker exemplar na rejeição comercial de transformar tudo isto num crowd pleaser ou feel-good movie.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
nos-duas-que-nos-perigos-grandes-o-temor-e-maior-muitas-vezes-que-o-perigo “Deux” é um filme essencialmente composto por silêncios constrangedores, olhares delicados e gestos contidos, materializados por duas atrizes em profundo estado de graça