Depois de ser aclamada pelas curtas-metragens “Paul est là” (prémio Cinéfondation em Cannes – 2017) e “Lucia in Limbo” (selecionada para a Semana da Crítica de Cannes em 2019), a costarriquenha Valentina Maurel lançou em Locarno a sua primeira longa-metragem,”Tengo sueños eléctricos”, um coming-of-age retorcido que principalmente acompanha a dinâmica a beirar o doentio entre uma filha e o pai (Daniela Marín Navarro e Reinaldo Amien, soberbos), onde medo, violência e empatia se fundem num objeto que prima pelo realismo e que parte de uma primeira cena onde vemos o homem a ter mais um dos seus ataques de fúria, agredindo-se a ele mesmo.

E se antes do divórcio era a filha mais nova que tinha manifestações físicas de urinar incontroladamente como consequência do pavor dos psicóticos acessos de violência paterna, depois da separação é o gato da família, agora a viver com a mãe e as miúdas, que assume, na casa essa tarefa, levando a mulher que tenta se livrar dos resquícios do passado a um ataque de nervos e a ponderar livrar-se do bicho.

Mas é quando filha mais velha pondera ir viver com o pai, um tradutor com ambições poéticas, mas muitas vezes postura de rockstar, que o filme ganha o seu core de atração, estudando dinâmicas de um tridente onde se junta o companheiro de casa do pai da miúda.

Mais que um filme de “respuestas” simples, ou de eventos que nos levam de A a B e a C, ”Tengo sueños eléctricos” é um filme sobre invisibilidades, sensações nunca palpáveis e de descoberta pessoal de amadurecimentos. E é delirante e provocadora a forma como Valentina Maurel cria dinâmicas de amadurecimento, sempre através de pequenos detalhes obscuros (como o negar da dor da violência) que dão ao filme um tom e ambiente negro memorável e profundamente reflexivo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
tengo-suenos-electricos-drama-de-amadurecimento-costarriquenho-prende-atencoesÉ delirante e provocadora a forma como Valentina Maurel cria dinâmicas de amadurecimento, sempre através de pequenos detalhes obscuros (como o negar da dor da violência) que dão ao filme um tom e ambiente memorável e reflexivo.