É um pouco mais que promissor o início da jornada de Tiago R. Santos como realizador de cinema. Depois de ter sido crítico (na Revista Sábado) e argumentista, nomeadamente de vários filmes de António Pedro Vasconcelos, incluindo aquele que é o seu melhor em duas décadas (“Amor Impossível”), é com um exercício de tensão entre quatro paredes, cercadas por um país em profunda revolução, que somos presenteados com um drama conjugal revigorante. É que se lá fora a revolta é um caso sério, e que até vai levar à intervenção da Nato no nosso país, é dentro daquele espaço – cuidadosamente burguês – que vamos encontrar um grande turbilhão de emoções; um sismo prestes a eclodir e que vai colocar em conflito, direta ou indiretamente, quatro amigos que se juntaram para jantar e pôr em dia as conversas adiadas por causa da pandemia.

Esse quarteto, constituído pelos anfitriões, Paulo (Ricardo Pereira) e Teresa (Teresa Tavares), e dois amigos que não se conhecem e foram chamados para um “arranjinho”, João (Cristóvão Campos) e Raquel (Margarida Vila-Nova), por entre copos de vinho, carne assada mal passada, e toda a pressão vinda do exterior, vão colidir entre equívocos, acusações e revelações que transformam aquele espaço, teoricamente mais seguro, num lugar tão ou mais tenso que tudo o resto que os rodeia. 

Olhando para este “Revolta”, é difícil não nos lembrarmos de “Amigos, Amigos Telemóveis à parte”, um filme que entretanto gerou uma dezena de remakes nas mais variadas línguas, mantendo sempre a mesma premissa (um grupo de amigos num jantar que descobre segredos e traições a partir de um jogo com os telemóveis); ou até mesmo “Deus da Carnificina” de Roman Polanski (adaptação de uma peça de teatro), ou ainda “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” de Mike Nichols.

Sejam quais forem as referências de Tiago Santos, que até mete ao barulho uma piada recorrente sobre John Carpenter (pois afinal, “Revolta” também é um filme de cerco), existem por aqui várias ideias bem delineadas na construção de diálogos, e uma ótima envolvência que cria, desde o primeiro minuto, uma nuvem negra que circunda todas as personagens; uma atmosfera bem pesada e longe do “positivismo” que tanto se apela para o futuro da humanidade.

Notavelmente um “filme de argumentista”, que se movimenta por entre conversas assertivas onde não falta também uma boa dose de cinismo e ironia, em “Revolta” Tiago Santos consegue executar um bom exercício ficcional que nunca se sente ser demasiado teatral ou televisivo (a típica novela de luxo, quando chega ao cinema), e que tem no quarteto de atores uma força capaz para carregar o texto e manter a coesão e coerência do enredo. E quando entramos nesse elenco, é aí percebemos o quanto gostaríamos de ver mais vezes Margarida Vila-Nova no grande ecrã.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
revolta-num-pais-em-revolucao-tiago-r-santos-fecha-se-entre-quatro-paredesSe nas ruas a revolta é um caso sério, é dentro de quatro paredes cuidadosamente burguesas que vamos encontrar o sismo e as suas réplicas que vão provocar um turbilhão de emoções