Por estas alturas, falar das capacidades técnicas de Park Chan Wook como realizador parece ridículo (além de escusado), especialmente quando no seu currículo estão filmes como “Oldboy” ou “A Criada”, mas a verdade é que temos mesmo de abordar esse tema – especialmente aqueles que conhecem e estudam há décadas ao pormenor toda a sua obra – porque aquilo que é uma bênção e um dom por natureza, representa uma espécie de maldição e mesmo um empecilho à fluidez do seu novo filme, “Decision to Leave”, onde somos confrontados com um história de amor em ambiente de investigação criminal.

Se já sabíamos que Chan Wook iria incutir um tom muito diferente ao de Hitchcock, uma natural referência do género, ou até mesmo de Verhoeven no incontornável “Instinto Fatal”, ao contar a história de uma morte que vai aproximar emocionalmente o detetive que investiga o caso e a viúva, a preocupação do realizador de tornar cada plano, cada transição, cada frame, uma prova da sua capacidade em fazer “grande cinema”, retira de forma gritante fluidez ao seu filme, uma obra que denuncia frequentemente uma certa artificialidade e que fica refém das reviravoltas obrigatórias, num noir que tenta contemporizar e enraizar a fórmula clássica da figura da “viúva negra” numa paisagem diferente. 

E essa viúva negra, arrebatadora na sua viagem entre as luzes e as sombras, é a atriz chinesa Tang Wei, conhecida do grande público pelo filme de 2007, “Sedução, Conspiração”, realizado por Ang Lee. Hipnotizante, misteriosa, carnal, mas contida, tão longe e tão perto da femme fatale noir, Tang We cativa a atenção do detetive insone, interpretado por Park Hae-il. A relação dos dois cresce por entre feridas omissas, dúvidas existenciais e diversas abstrações, algures entre o real e o imaginado, que transportam o espectador para uma encruzilhada de dúvida constante sobre aquilo que está a ver.

Mas é no arranjo de procedimentos e formas, que nem estão assim tão longínquos daqueles que usou em “JSA”; e no atafulhar de elementos (visuais e sonoros) em função da atmosfera, que Chan-Wook perde espontaneidade e clareza, transformando “Decision to Leave” num objeto mais académico e teórico (bonito no papel, ou isoladamente), que prático e envolvente (no seu todo). A direção de Chan Wook, sempre tentada em mostrar excelência poética e técnica em cada momento, sufoca e oblitera tudo o resto, percebendo-se porque saiu de Cannes com o prémio de melhor realização, mas vazio de qualquer outra distinção em termos do filme per se.

E é uma pena porque os ingredientes estão todos lá e de forma alguma o cineasta perdeu habilidade em contar uma história. Aqui apenas tropeça em si mesmo, saindo por cima o seu olhar e não realmente aquilo que o espectador pode daí retirar.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
decision-to-leave-park-chan-wook-tropeca-em-si-mesmoA preocupação do realizador em entregar em cada plano, em cada  transição, em cada frame, mostras da sua capacidade em fazer “grande cinema” retira uma fluidez gritante ao seu filme