Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, a dupla que escreveu “The Broken Circle Breakdown” (Ciclo Interrompido), levou este ano a Cannes “As Oito Montanhas“, uma adaptação ao cinema do romance do escritor italiano Paolo Cognetti que peca quer pela sua excessiva duração (2h30), mas também por uma transposição cinematográfica incapaz de evocar uma verdadeira ligação emocional entre os espetador e as personagens durante as várias eras em que decorre a ação, numa narrativa que se inicia a partir de 1984.

Com Luca Marinelli (“Martin Eden”), Alessandro Borghi (“Devils”), Filippo Timi (“Vincere”) e Elena Lietti (“Anna”) no elenco, “As Oito Montanhas” gira em torno de Pietro, ou Biero, como se diz no dialecto do Vale de Aosta, Itália, um rapazinho da cidade com 11 anos, solitário e pouco sociável, que num certo verão trava amizade com Bruno, um rapaz da sua idade entregue ao trabalho árduo da criação animal e produção de laticínios,  e por isso mesmo longe do privilégio de uma vida com estudos. Nesse verão, ambos vagueiam incansavelmente pelas pastagens da montanha, explorando florestas e caminhos íngremes, transformando tudo o que encontram em pretexto para uma brincadeira qualquer.  Pegando nos dois, o pai de Biero leva-os pelas montanhas em duras caminhadas, tentando aproximar-se do filho que na vida citadina mal vê. Quando existe a ténue hipótese de Bruno ir para a cidade viver com Biero e família, o filme parece levar-nos noutra direção, mas o pai de Bruno tem outros planos para o filho e não o deixa partir. O elo entre os dois miúdos quebra-se e só vinte anos depois voltam a reencontrar-se, fazendo as pazes com o passado e iniciando a construção de uma casa, no topo de um dos montes, que se tornará o ponto de reencontro de uma dupla de amigos que permanecerá em caminhos muito díspares da vida quotidiana.  

Ao contrário de filmes como “Broken Circle Breakdown”, Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch nunca conseguem elevar este drama para um patamar que atinja o existencial, apesar de acirradamente se esforçarem para isso. Além do mais, sente-se um vazio na exploração das relações da dupla com os outros elementos nas suas vidas, em particular de Bério e o pai, cujo corte de ligação a certo ponto se sente pouco explorado, mas também no retrato de um genuíno sentimento político e social de uma época marcada pela morte da interioridade, da mudança dos desejos, gostos e ambições pessoais dos filhos em relação aos pais e com a vida. 

Intercalando os vários momentos da ação com temas da banda-sonora e planos de conjunto que tentam mergulhar as personagens na imensidão da paisagem, “8 Montanhas” nunca revela profundidade nas suas análises a personagens e eventos, ficando ainda muito preso ao formato banal das traduções imagéticas a partir da literatura, onde nunca há verdadeiro risco e arrojo, mesmo que calculado.

Na verdade, eis um pedaço de cinema bonito, vistoso em termos de fotografia, com boas interpretações, mas demasiado ligeiro e com pouca noção de ritmo, evasivo na criação de momentos de verdadeiro arrebatamento emocional, deixando a impressão que mesmo fazendo o retrato de uma longa amizade que se estende por várias décadas, nunca chega verdadeiramente a ser um trabalho apaixonado que vá mais além das convenções.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
as-oito-montanhas-em-terrenos-gelados-ode-a-amizade-nunca-deixa-de-ser-morna“8 Montanhas” nunca revela profundidade nas suas análises a personagens e eventos, ficando ainda muito preso ao formato banal das traduções imagéticas a partir da literatura