Se em “Bostofrio”, Paulo Carneiro usava como pretexto conhecer mais sobre o avô para falar de outras coisas, como descobrir-se a si próprio, numa busca identitária que tem sido apanágio de muito do cinema português recente (“Metamorfose dos Pássaros” ou “O Homem do Lixo” seguem a mesma rota), em “Périphérique Nord” (“Via Norte” em Portugal), a sua segunda longa-metragem, estreada mundialmente no Visions Du Réel, o jovem cineasta luso usa como “desculpa” os carros e o universo do Tuning para conversar com portugueses emigrados sobre as suas vidas, comunidade e identidade.  

E é ao volante de um Toyota Celica de 1992, no qual chega a fazer uns belos peões no final, que Paulo Carneiro parte para esses encontros, que ocorrem maioritariamente à noite por entre garagens, bombas de gasolina ou silos automóveis, sempre com intertítulos a contextualizar o espectador sobre as viaturas que vemos e as pessoas que as conduzem. É nessa viagem, enriquecida pelo calor da iluminação artificial proveniente de viaturas e dos espaços de paragem, com o vermelho, o azul e o branco a rasgarem a escuridão das noites, que acompanhamos as dificuldades e ansiedades de muitos emigrantes, uns de primeira geração, outros já de segunda. 

Do “racismo” dos suíços perante eles, especialmente vindo dos mais velhos, até à rivalidade entre os próprios portugueses, passando pelas manias de grandeza ou “cagança”, que inclui a utilização das viaturas como sinónimo de sucesso quando regressam de “vacances” a Portugal, tudo se fala neste objeto muito particular dentro do nosso cinema, com Paulo Carneiro a conseguir extrair dessas conversas sinais claros de amargura, de fuga aos clichês e também de luta identitária. Prova disso é, que num dos momentos do documentário, um desses emigrantes diz que quando vai a Portugal já não é tratado como português, mas suíço, até em ambiente familiar. Por outro lado, temos um jovem a queixar-se que a sua geração não respeita o sacrifício que a geração dos pais fez por eles. E temos ainda quem deseje voltar a fazer a sua vida no nosso país, onde permanecem atualmente mulher e filhos, mas outros que recusam totalmente este cenário (“no máximo, vivemos lá seis meses por ano”, dizem). 

Quando no final, um suíço de origem curda, fanático pelas artes portuguesas do Tuning, remata o filme com a sua própria visão das coisas, a mensagem quanto à experiência dos portugueses na Suíça deixa de ser particular e transforma-se em universal no que concerne ao acolhimento e forma de serem tratados os “estrangeiros”. 

Paulo Carneiro, que em “Bostofrio” já mostrava uma postura proactiva à frente das câmaras, colocando-se fisicamente nos planos estáticos das conversas que ia mantendo com os “convidados”, volta aqui a repetir o modus operandi, sublinhando assim também a sua identidade fílmica. Só que desta vez, deixa a ruralidade e as origens para trás, entrando a toda a velocidade na urbanidade, no construído e artificial. É que vendo bem as coisas, tal como muitas das viaturas alteradas e aperfeiçoadas que vemos em cena (de Volkswagen Polo G40 a um Mercedes Benz, passando por um Lamborghini Huracán e muito mais), estes emigrantes tiveram todos de “quitar” as suas vidas, o seu modo de ser e de agir, tudo para continuarem a fazer além fronteiras o que não estavam a conseguir em Portugal: sobreviver com a esperança no amanhã.

Uma simples e bela segunda-obra que prova que Paulo Carneiro deve continuar a fazer o cinema que lhe dá na telha.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
peripherique-nord-o-quitar-a-vidaUma simples e bela segunda-obra que prova que Paulo Carneiro deve continuar a fazer “o cinema que lhe dá na telha”.