O título do mais recente triunfo de Paul Thomas Anderson, o cineasta por detrás de grandes obras como “Phantom Thread” (“Linha Fantasma”, 2017) e “Magnolia” (1999), é puramente sugestivo. Não há pizza nem alcaçuz (“licorice”) nesta história passada no famoso Valley da Califórnia, no início da década de 1970. O que há são adolescentes a correr pelas ruas solarengas da cidade, à procura de diversão, dinheiro e amor. É esse ambiente de idealismo, ambição, juventude, gula e hormonas aos saltos que se pretende sugerir com a simples associação de palavras que dá nome ao filme. E é esse ambiente que o realizador constrói magistralmente da primeira à última cena.

Gary Valentine, um rapaz de 15 anos com talento e muita lábia, declara logo nos primeiros minutos do filme, após um breve encontro no seu liceu com Alana, uma rapariga dez anos mais velha que ele, que um dia se irá casar com ela. Interpretado por Cooper Hoffman (filho do habitual colaborador de Paul Thomas Anderson, o já falecido Philip Seymour Hoffman), Gary tem uma personalidade amigável e empreendedora, estando sempre à procura das mais recentes tendências no mercado para criar empresas e lojas a retalho. Apesar da diferença de idades, e da resistência que vai tendo ao longo do tempo, Alana cai no charme generoso de Gary, nas aventuras que este vai vivendo e no seu espírito jovem, espontâneo, irrequieto. Talvez não o declare tão abertamente como Gary, mas também é cedo no filme que Alana se apaixona pelo rapaz…

Ela é interpretada por Alana Haim, uma das cantoras que integra a banda HAIM, juntamente com as suas duas irmãs, que também entram no filme. O trio já colabora com Paul Thomas Anderson desde 2017, quando o cineasta gravou alguns dos seus videoclips, e agora a família (incluindo os pais) faz parte do grande elenco de “Licorice Pizza”, que conta ainda com Sean Penn, Bradley Cooper, Tom Waits e Benny Safdie (Maya Rudolph, esposa do realizador, e John C. Reilly também fazem cameos). Contudo, no meio de tantos nomes famosos, é mesmo o par central, com o seu humor e temperamento juvenil, que se destaca, com Hoffman e Haim a apresentarem um trabalho cheio de autenticidade.

Em grande parte, isso deve-se também a Paul Thomas Anderson, que – embora cheio de nostalgia – não tenta esconder as imperfeições, as borbulhas, a falta de confiança, o machismo, a avareza e a pura loucura dos jovens californianos. O cineasta tem uma capacidade inimitável para despertar épocas e geografias particulares (a transição do século XIX para o XX no oeste dos EUA em “There Will Be Blood”, o pós-guerra em “The Master”, a Londres dos anos 50 em “Phantom Thread”), e neste filme consegue recriar o estilo dos anos setenta através dos mesmos elementos que já domina há largos anos: o guarda-roupa detalhado, a banda sonora perfeita, os cenários e sets desenhados a rigor, e a fotografia neurótica, dinâmica, colorida, e meticulosamente pensada.

Licorice Pizza” é a obra de um realizador em total controlo da sua arte, dedicado a filmar um romance nostálgico, leve, cómico, mas emocionalmente expressivo, que só poderia ser considerado uma obra menor se não fosse tão claro o cuidado, a dedicação e o amor pelo cinema que transbordam do filme. Tal como os protagonistas, que passam duas horas à procura de maturidade e aprovação, Paul Thomas Anderson, no auge da sua carreira, nunca toma por garantido o sucesso, e mantém a genuinidade e sinceridade que fazem o seu cinema fabuloso.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Jorge Pereira
licorice-pizza-o-sabor-da-adolescenciaCom duas performances centrais surpreendentes, esta é mais uma obra de destaque no cânone de Paul Thomas Anderson.