Regresso mais que aguardado de Jane Campion, doze anos após “Bright Star — Estrela Cintilante” e depois de uma passagem pela experiência televisiva de “Top Of The Lake”, “The Power Of The Dog” é também uma das grandes apostas da Netflix para os Oscares de 2022.

Adaptação do romance homónimo de Thomas Savage publicado em 1967, o filme conta a história de dois irmãos, Phil e George Burbank (Benedict Cumberbatch e Jesse Plemons, respetivamente) com uma relação umbilical ao rancho onde trabalham, um terreno monumental que herdam dos pais a que dedicam sangue e suor, e que se manifesta como um espaço privilegiado para a encenação dos dramas e tragédias familiares que pesam sobre os personagens. A histórias dos dois irmãos cruza-se também com uma mulher, Rose Gordon, aqui interpretada por uma superlativa Kirsten Dunst, uma viúva que vive com o filho, o jovem Peter (Kodi Smit-McPhee), um adolescente com uma sensibilidade que choca com a pose viril e “masculina” de Phil.

É verdade que o filme de Campion traz consigo as características de um western; trata-se, afinal, de uma história que decorre na década dos anos 1920 no estado do Montana, nos Estado Unidos, mas a forma como o enredo se afasta daquele que foi outrora o nervo da mitologia dos westerns, como aquela velha noção do grande oeste americano enquanto “palco Shakesperiano” onde se espelham as grandes convulsões da civilização, na mesma medida em que se aproxima do lado interior e oculto dos personagens, torna-o num objeto com outra escala, uma janela que se abre para um universo de maior intimidade. E aquilo que Campion nos dá a ver nesse contexto familiar é uma história de violência, violência de homens sobre si mesmos e que os arrasta para uma sombra que nunca deixa de os perseguir e cercar: o desenvolvimento da narrativa acompanha justamente a aproximação de George e Rose, sempre sob o olhar reprovador de Phil, que vê no casamento nada mais que oportunismo. Sem nunca ceder a esquematismos demasiadamente óbvios, aquilo que de mais interessante há no filme passa pela forma como a realizadora explora a “inesperada” relação entre Phil e o filho de Rose, toda uma paisagem afetiva que chama a si a construção de uma identidade masculina heterossexual enquanto fonte de angústia e ansiedade.

The Power Of The Dog” é também por isso um filme que vive muito de uma extraordinária direção de atores: mesmo sem nunca deixar de convocar o ambiente natural para o centro da sua narrativa – toda a textura do filme é aliás é sublinhada por uma belíssima banda sonora composta por John Greenwood -, Campion é mesmo uma daquelas realizadoras com a capacidade de fazer da linguagem corporal do ator uma membrana sensível a uma interioridade pessoalíssima e que raras vezes nos aparece com esta transparência.

Pontuação Geral
José Raposo
Guilherme F. Alcobia
Jorge Pereira
the-power-of-the-dog-uma-historia-de-violencia Regresso mais que aguardado de Jane Campion, doze anos após “Bright Star — Estrela Cintilante” e depois de uma passagem pela experiência televisiva de “Top Of The Lake”, “The Power Of The Dog” é também uma das grandes apostas da Netflix para os Oscares...