Antigo jogador de basquetebol, internacional pela Suíça, transformado em cineasta em 2009, Fred Baillif tenta os três pontos com o drama de uma casa de acolhimento de jovens onde um caso de abuso de sexual entre os “residentes” provoca um desencadear de situações que saem das portas da instituição. Parte-se então para uma viagem à vida dos presentes, analisando-se as relações entre empregados e jovens no meio de um meio que teima em ser emperrado por um sistema excessivamente fechado e frontalmente neutro nas suas relações.

Os temas sociais e laborais que abarcam todo o filme, na sua camada coletiva e pessoal, saem da pele de Baillif com base na sua experiência, já que entre o basquetebol e o cinema, onde já vai com sete produções, formou-se na área social. Foi aí que ganhou uma sensibilidade rara para o tema, não olhando para personagens mas para pessoas. Por isso mesmo optou por usar não-atores, que contribuíram igualmente para as histórias pessoais que encarnam, sem com isso dizer que são de alguma forma biográficas.

Essa conexão e colaboração traz frutos imediatos para as prestações, todas elas naturais, repletas de autenticidade, com destaque para Claudia Grob, que certamente deixou escapar uma grande carreira no cinema. O seu trabalho corporal e de expressão é fulminante e agarra o espectador desde o primeiro instante perante as suas ansiedades e problemas. No papel de Lora, a responsável máxima da instituição, ela é parte generosidade, parte trabalho, parte trauma. As rugas que carrega na face são as de uma vida dedicada a um labor robotizado via protocolos e regras que impedem exceções e soluções fora da caixa, mantendo o espaço de acolhimento como um verdadeiro não-lugar, como diria Marc Augé. É que este local, onde os adolescentes são colocados, autodenomina-se um “espaço seguro“, transitório, que não possui significado suficiente para ser definido como “um lugar“, uma “casa”. Da mesma forma, Lora e colegas são tutores, responsáveis pela segurança destes miúdos, e não tentam – nem podem – de alguma forma atuar fora dessa esfera.

Lora, também ela com as suas próprias tragédias pessoais para sarar, é, em última instância, quem toma a decisão final em relação a estas crianças, despertadas por um caso de abuso na instituição (tecnicamente, violação), quando uma rapariga de 17 anos e um rapaz de 14 têm relações sexuais. A partir desse momento, e da descoberta, tudo o que acontece revela um protocolo: a polícia é chamada, a jovem identificada, e os rapazes obrigados a sair da instituição, ficando o “espaço seguro” apenas entregue a “residentes” do sexo feminino.

E Lora, que foi chamada à cena do crime logo depois das autoridades, leva um valente puxão de orelhas dos seus superiores, pois a situação poderia provocar um grande escândalo. Não interessa ela invocar que estamos a falar de jovens, que têm direito à sexualidade. A resposta a estas questões mais humanas são respondidas por silêncios de instituições mecanizadas, cuja única tarefa – e voltando a insistir- é oferecer um “espaço seguro” aos miúdos que albergam.

A partir disto, e através de capítulos dedicados a cada jovem e tutor, o filme visita casos de abandono, abuso sexual, violência e até mortes por negligência, escolhendo Baillif preferencialmente uma câmara que não se cansa de acompanhar de perto as personagens, recorrendo frequentemente a closes, e sempre dando uma sensação de drama social de génese documental.

O resultado final é o filme mais poderoso do cineasta, onde ainda prima uma montagem acertada que dá à sua maneira, como introdução das histórias pessoais, um ângulo específico do evento transformador, que foi a chegada da polícia aquele local para deter uma miúda.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
la-mif-fred-baillif-triunfa-com-drama-social-intensoO filme mais poderoso do cineasta e um dos melhores da barra paralela Gerações da Berlinale