Todos nos lembramos do calvário do Sr. Lazarescu nas urgências romenas no filme esmagador de Cristi Puiu, “A Morte do Sr. Lazarescu” (2007), mas agora vamos conhecer neste “Brothers Keeper” (Quando Neva na Anatólia) o drama de Yusef (Samet Yildiz) e Memo (Nurullah Alaca), dois rapazes curdos num colégio interno turco que terão de passar por um rol de burocracias, castigos, desconfianças e problemas relacionados com o isolamento físico e social quando um deles adoece e o outro tenta convencer todos da seriedade do caso. 

A quarta longa-metragem de Ferit Karahan usa um colégio interno como alegoria de uma Turquia disciplinarmente implacável para a vida curda através da profusão histórica da cultura do medo e ocupação, fazendo no processo, e permanentemente, ouvidos moucos aos seus problemas e ansiedades, quer imediatas, quer a médio e longo prazo. E não falamos apenas das eternas questões identitárias, que ultrapassam as fronteiras e invadem o norte do Iraque, mas principalmente dos relatos de sobrevivência diária numa sociedade extremamente fragmentada (etnicamente, religiosamente, etc) que incapaz de resolver as coisas frequentemente dispara culpas das suas negligências de um lado para o outro. As personagens adultas que circulam pelo colégio, professores, operativos, etc., são um reflexo disso mesmo, figuras que repetem metodicamente os métodos arcaicos de educação e desconfiança com os quais tiveram também de lidar em pequenos. São elas, nas suas posições de autoridade, que começam a empurrar para o lado as suas responsabilidades do estado de saúde do rapaz-

Mas a alegoria, mesmo antes de sequer acedermos com maior intimidade às personagens, sente-se logo na primeira imagem que temos de todo este imenso colégio é que está no meio de paisagens inóspitas e geladas da Anatólia, que imediatamente  transmitem uma sensação de isolamento que certamente será acentuado pela tragédia que paira no ar.

No meio de tudo isto, Karahan mostra uma enorme maturidade no balanço de todos os elementos, não só por rapidamente fazer o espectador conetar-se empaticamente com os miúdos marginalizados e enfiados numa espécie de canto dos castigos a sociedade, mas por manter um ritmo imparável na criação da tensão, de permanente nervoso miudinho, e uma total imprevisibilidade no que diz respeito ao desenlace e responsabilidades no caso. 

E triunfando na forma enquadrada com que nos conta histórias pessoais e coletivas, nunca abdicando de uma visão social-realista, onde não fica nunca pela superficialidade e deixa ainda espaço para um humor escorregadiço, o cineasta entrega-nos uma fita memorável que certamente merecia mais que estar enfiada na secção Panorama (com todo o respeito) do Festival de Berlim.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
brothers-keeper-toda-a-turquia-cabe-num-colegioTriunfando na forma enquadrada com que nos conta histórias pessoais e coletivas, o cineasta não fica nunca pela superficialidade e deixa ainda espaço para um humor escorregadiço