O que é certo em Ayka é o facto do realizador não procurar a condição moral da protagonista, mesmo que, assim como testemunha o espectador no seu início, o ato grotesco possa servir em certa parte como uma redenção, mesmo não reafirmando a hipótese disso ao longo da narração. Estamos perante, possivelmente, um escapismo à realidade encenada, a qual cerca a personagem.

A segunda longa-metragem do cazaque Sergei Dvortsevoy (do filme-sensação Tulpan, estreado na Un Certain Regard de Cannes de 2008), é sobretudo o estudo de uma personagem que em certa parte anula qualquer digressão pelo cenário social e de denúncia, o qual tentaria, porventura, cometer. Usufruindo do dispositivo de realismo, num modo operativo do cinema dos irmãos Dardenne, Ayka afasta-se da enésima “cantiga dos pobres e coitados” viciosamente romantizada, até porque esta personagem-título carece sobretudo de carisma e emotividade que a possa destacar da intriga em que se insere. Como um camaleão, a atriz Samal Yeslyamova confunde-se com o seu ambiente, presta-se ao underacting que a conduz por becos de desespero silencioso, ao mesmo tempo que o filme prossegue pela “câmara-rémora”, que nunca descola da protagonista.

A sua precariedade extrema assume-se como um risco para o retrato que tentar emanar. Por um lado, deparamos com a miséria virada em luxo cinematográfico, por outro, o perigo da falsa-interpretação para a (aparente) falta de “humanidade” da protagonista, que como arma de desinformação poderá suscitar doutrinas algo nacionalistas e antimigrantes. Nesses termos, tivemos a nossa dose com o falhado El Futuro Perfecto, de Nele Wohlatz, que para além de motivar essas interpretações despropositadas, era um fracasso no seu dispositivo cinematográfico.

Contudo, Ayka prevalece como uma obra desesperante dos ecos da maternidade que poderá desencadear a sensibilidade no insensível. Um filme duro, cruel e desencantado, a demonstrar que o Cinema nem sempre é um lugar harmonioso.