Depois de abordar o genocídio no Ruanda (Le jour où Dieu est part en voyage, 2008) e o conflito sírio, a partir de um apartamento que é defendido dos invasores, (Insyriated, 2017), o cineasta belga Philippe Van Leeuw volta a chamar a atenção para importantes questões sociais na sua terceira longa-metragem, “The Wall” (2023), exibido no Bergamo Film Meeting na competição principal.

Curiosamente, existem pontos de contacto – com motivações e ódios bem diferentes – entre as protagonistas de “Insyriated” e The Wall”. Hiam Abass lidera o primeiro, como Oum, uma mulher que tenta travar a invasão do seu apartamento por diferentes forças em conflito na Síria. Já em “The Wall”, é outra mulher, Jessica Comley, que serve de muralha à “invasão” do seu país por elementos externos, na sua visão “Trumpista”. As semelhanças entre as duas quase acabam aqui, porque ao humanismo de Abass, responde uma Vicky Krieps, por vezes em overacting de expressividade, a defender a América dos seus inimigos. E, para ela, eles são externos na forma dos migrantes hispânicos, mas também internos, os nativos (indígenas) – aqueles que, apesar de terem a cidadania dos EUA, são vistos como ameaça aos “verdadeiros norte-americanos”, ou seja, os brancos e cristãos. Para as duas personagens/atrizes, a sua sobrevivência está em jogo, mas no caso da atriz luxemburguesa, a fazer de pilar anglo-saxónico americano, há uma defesa do modo de vida, que se acredita superior e designado por ordem divina. E esse “chamamento”, a que ela responde, isola-a na sua vida pessoal, martirizada pela falta de companhia, mas também com a doença daquela que vê como a sua melhor amiga, a cunhada, que padece de uma doença prolongada.

Antes de chegarmos à tragédia que serve de MacGuffin para o desenrolar dos eventos, ou seja, o assassinato de um dos migrantes que tenta atravessar a fronteira, Philippe Van Leeuw coloca em Vicky Krieps todo o peso de um filme que, apesar de tocar em temas sensíveis político-sociais, fundamentalmente funciona como um estudo de personagem. E é difícil entender ou mesmo compreender Jessica, super emotiva quando toca ao interior da sua comunidade, e obstinadamente seca e fria a tudo o que está fora dela. Por isso mesmo, ela não faz amigos fora da sua esfera, nem mesmo dentro das próprias autoridades policiais, sendo encarada mais como uma fonte de problemas para os colegas, do que anjo protetor de uma América “invadida”.

Com diversas limitações e deambulando por terrenos suscetíveis aos clichês, “The Wall” consegue – e bem – traçar o retrato de uma faixa populacional da América que encontra em Deus e numa alegada supremacia moral e ética as motivações para o ódio, mas infelizmente nunca sai efetivamente da superficialidade descritiva e não entra nunca no campo da reflexão e discussão.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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