Artista visual, especialista em teatro de marionetas e objetos, como poderão comprovar em maio no Teatro do Bairro (em Lisboa) na sua adaptação de “Os Miseráveis” com centenas de figuras de barro e de madeira, Karine Birgé leva-nos numa intensa, longa (mas boa) viagem à luta da sua avó, uma francesa com 102 anos que decide recorrer ao suicídio assistido na Bélgica. E é uma viagem de formato híbrido, que mistura desde vídeos e áudios da avó com imagens de bonec@s, fantoches e outros objetos, embora tecnicamente esteja em competição no Bergamo Film Meeting na tradicional Visti da vicino, dedicada ao documentário.

Relato profundamente íntimo da luta por um final planeado, não fosse a eutanásia um tema poltico sensível em França, e estivesse em jogo a vida de uma familiar, “Boa viagem” traça ligeiramente um percurso de vida da mulher, do seu atravessar a invasão nazi, o seu trabalho numa fábrica de bonecas no pós guerra, mas principalmente a sua decadência física e dor numa França que se recusa a permitir que ela termine legalmente a sua vida. Será o filho desta mulher, um médico em Bruxelas, que avança com o processo no seu país, contactando a realizadora e filha, que regista por áudio muitas dessas conversas: com o pai e com a avó, pressionados por todos os quadrantes a não seguirem com o plano.

Sempre com um instinto visual e sonoro apurado, onde não falta Chantal Goya, Karine Birgé enche o ecrã de poesia, crítica política e social, mas acima de tudo de amor e respeito pelos desígnios de cada um, servindo o seu filme como carta de intenções (da avó) e de despedida dela (Birgé), partindo do pessoal para o coletivo com muitas lembranças, mas sem medos ou restrições .

O resultado é um absorvente e magistral trabalho que poderia fazer um belo par, do ponto de vista artístico e na sua forma híbrida, com o sensacional “Before We Go”, um delicado, mas incisivo objeto de Jorge Léon sobre a fragilidade humana, a morte e a arte.

A não perder.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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