O cinema de ficção científica movido por uma única personagem isolada no meio do espaço sideral têm sempre a tendência, quando não cai no horror, de procurar questões existenciais. Não havendo uma entidade externa pronta a atormentar o protagonista, nem uma missão qualquer para o seu salvamento, a profissão “mais solitária do mundo”, como uma menina diz no início do filme, segue neste “Spaceman” a via do existencial ao acompanhar Jakub, um astronauta checo numa missão espacial que a certo momento começa a questionar as decisões de vida, a sentir saudades da esposa grávida, e o que pode fazer – sozinho no espaço – para recuperá-la, resolvendo no processo alguns questões pessoais ligadas à sua vida passada e relação com pai.

Era terreno fértil para poesia visual e existencial, metafísica e muito mais, mas o filme decide enveredar pela “maneira Pixar” de ser das coisas, ou seja, apropriar-se da fragilidade do público em geral para questões sentimento de perda, solidão e relações complexas familiares para manipular o espectador numa direção feel-good de consensos emocionais. O guião, repleto de frases doces e pseudo interrogativas quanto ao passado, presente e futuro, além do amor e família, nunca sai da superfície, seja a falar da relação sentimental que o nosso astronauta quer apostar com mais vigor, seja na avaliação dos próprios mistérios do universo. Por isso mesmo, frases como isto “é o princípio e o fim” soam a chavões mecanizados capazes de serem estampados em blogs de superação, mas na verdade são mãos cheias de nada derivativas que pensam que respondem a tudo com o nada. 

E dentro desse convencionalismo textual, visualmente falando, “Spaceman” sente-se sempre um “filme Netflix”, ou seja, rendido à “ditadura da trama”, sempre dentro de uma fórmula que repete planos e imagens familiares de qualquer filme do espaço, apropriando-se delas como suas, trazendo ao espectador uma sensação de conforto, ainda que repetição, sem que este consiga de imediato apontar o pastiche (com exceção de “2001”). Além disso, nesses clichés Netflix (e também de Hollywood do blockbuster), a dinâmica de representação do presente e passado segue a fórmula do flashback. Tratando-se acima de tudo de uma história romântica, o habitual preto e branco é substituído por imagens cheias de vida na representação das boas recordações, e imagens mais esbatidas e frias quando o sentimento é de tristeza e remorso. Como sempre, a infantilização do espectador é assumida de raiz pela montagem e direção de fotografia, sendo colocadas muletas visuais para avisar firmemente quem vê que aquilo que está a assistir é passado, não bastasse o protagonista estar no espaço e qualquer outra imagem remetesse a outro tempo,

O resultado final é um daqueles filmes que organicamente se confunde na multidão, não apresenta nada de novo ou fresco, nem é particularmente chamativo na sua premissa e conclusão. No meio dele está uma estrela de cinema, Adam Sandler, bem mais próximo da sua versão contida de “Punch Drunk Love” do que do espalhafato da sua persona em comédia ou nos filmes dos irmãos Safdie. E curiosamente, ele acaba por ser o único elemento estável num filme que, do primeiro minuto ao fim, procura ser mais representativo de um certo tipo de filmes onde amor, culpa e remorso estão conectados, que uma verdadeira meditação sobre a vida, a solidão e a felicidade.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
spaceman-o-espaco-entre-nosProcura ser mais representativo de um certo tipo de filmes onde amor, culpa e remorso estão conectados, que uma verdadeira meditação sobre a vida, a solidão e a felicidade.