A restituição de obras de arte saqueadas aos africanos nos tempos coloniais já tinha sido curiosamente bem observada e discutida em filmes como “Palimpsest of the Africa Museum” (2019), com o caso da renovação e devolução de artefatos por parte do Museu Real da África Central na Bélgica, mas ganha uma nova força e atenção em “Dahomey”, o mais recente filme de Mati Diop (Atlantique), em exibição na Berlinale, onde concorre ao Urso de Ouro.

Acompanhando de perto a devolução de 26 artefactos (dos 7 mil que a França possui no total) para o Benin, estando entre eles  estátuas dos reis do Daomé (O Reino do Daomé foi visto recentemente em “The Woman King“) Glélé e Béhanzin, além do trono real, a cineasta coloca em meditação toda a temática ligada ao colonialismo e como os povos, além de terem sido destituídos de património material foram ainda despojados da sua identidade, em particular através da omissão do ensino das línguas locais dos estabelecimentos de ensino.

Claro está que a devolução dos 26 artefactos, quando existe um total de 7 mil artigos que deverão fazer o mesmo caminho, soa a “humilhação” para Diop e para muitos dos jovens académicos que, na segunda metade desta obra, discutem as feridas coloniais por sarar, enquanto também refletem sobre a atitude do governo francês de Macron e do Benin, assentando a ideia que o colonialismo continua na região, mas agora mascarado pelo mundo exploratório dos negócios. Tudo isso, além da sensação de “humilhação” e do pouco feito por França no que toca a uma verdadeira restituição são explorados durante hora e meia pela franco-senegalesa, que apesar de ter pensado numa ficção para lidar com o assunto, prosseguiu com um registo documental. E do formato curto passou para o longo, ao colocar as vozes jovens do país a discutirem o tema, enquanto ocasionalmente uma voz-off, vinda dos artefactos, fala da sua pilhagem para França e agora do regresso, permanecendo no ar um sentimento de estranheza nesse regresso, sentindo-se profundamente desidentificado.

Trata-se pois assim de um bela incursão de Diop no registo documental, não perdendo a hipótese de misturar fantasia e factos, um pouco como já acontecia nos seus trabalhos anteriores, nomeadamente “Mille Soleils”, “Atlantiques” e “Atlantique”. E nisso, eis mais um filme a vir de uma autora que não se cansa de mostrar a memória, o medo do esquecimento e os sonhos falhados, sejam estes os da travessia segura do oceano dos migrantes, ou os de um reino anexado à África Ocidental Francesa no final do século XIX.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
dahomey-em-busca-da-memoriaUma autora que não se cansa de mostrar a memória, o medo do esquecimento e os sonhos falhados