Com longas e afiadas garras de sátira que desafiam as convenções estereotipadas, acidamente desconstruindo valores como a representatividade a exploração num contexto de um estigma quanto à desfiguração facial, o escritor e realizador norte-americano Aaron Schimberg apresentou na Berlinale, depois de uma passagem por Sundance, a sua terceira longa-metragem, “A Different Man”.
Fora de competição, este drama que olha de frente e com coragem para quem sofre de neurofibromatose, observa cuidadosamente – embora às vezes acerte ao lado, na sua evolução descarrilada de eventos – na maneira como a aparência condiciona o comportamento, a forma de se ser e a própria identidade, não apenas daqueles que sentem sair da chamada normalidade fisionómica, mas também para a perceção e comportamento de quem trava contacto com eles.
Ao contar a história de Edward, um aspirante a ator que atribui culpas à sua vida tímida e mal sucedida à doença que tem, Schimberg dá um novo alento e dimensão quando o protagonista ganha uma nova aparência após um procedimento médico bem sucedido, e se aproxima romanticamente da sua vizinha, uma aspirante a escritora e encenadora. Mas ao contrário do que esse homem esperava, pior que as marcas tumorais por todo o seu rosto é a desfiguração emocional de insatisfação permanente que o consome, especialmente quando percebe que o “novo” rosto não o mantém sempre no centro do palco da vida.
Com um tridente poderoso de atores, o filme conta com Sebastian Stan e Renate Reinsve a conduzirem a narrativa com boas doses de romance. Isto até aparecer Adam Pearson, numa segunda colaboração com Shimberg, que vai roubando cena atrás de cena com o seu enorme carisma e confiança. É nele mesmo que reside a maior força de um filme onde máscaras e personas se moldam numa permanente fricção, fugindo das respostas fáceis e das fórmulas.
O resultado final é um filme sombrio onde a estética joga com a escuridão de Edward e a luminosidade de Adam para atingir o espectador com tantas camadas repressivas como otimistas e libertadoras.
