A história de Don Juan, um sedutor em série inconsequente, já tem várias iterações, quer em palco (onde apareceu a primeira vez, no séc XVII), quer no ecrã, com algumas a fugirem ao contexto histórico, como é o caso de “Don Juan” de Serge Bozon. Aqui, Don Juan é Laurent, representado por Tahar Rahim, abandonado pela sua noiva no dia do casamento, fazendo com que a veja em várias mulheres com que interage e, ao mesmo tempo, encena a peça com o mesmo nome. É uma ideia interessante, a possibilidade (ou não) de uma personagem assim depois do #metoo e da renovada consciência feminista, sempre assombrados pela história do mesmo, reforçando as diferenças nos resultados. O filme quer ser uma exploração sobre um aspeto da masculinidade desadaptada mas, infelizmente, fica aquém.

Um dos primeiros pontos de fricção é o ponto de partida: o Don Juan original não precisa de um motivo para fazer o que faz, confiante de que tem tempo para se poder arrepender e, apesar de tudo, ser aceite no Paraíso (há que ter em conta que foi escrito inicialmente numa Espanha Católica e com fins moralizantes); Laurent é levado por um desespero e uma tentativa de se ligar que, apesar de condenável, não deixa de ser empática. Se Julie, a sua noiva, representada por Virginie Efira, o abandona porque reconhece nele um mulherengo em potência, a começar no dia do casamento, não vemos nada que o justifique e a maioria das interações posteriores, quando a vê noutras mulheres, parecem mais ridículas do que mal intencionadas. Poderia haver aqui um filme interessante a fazer, mas várias decisões tomadas acabam por minar qualquer boa intenção.

Outro dos pontos em que falha o filme é no formato: apesar de haver uma mão cheia de canções, acaba por não conseguir ser um musical. A sensação que perdura é que não havia verdadeira vontade de o fazer ou até alguma vergonha. A música em si é demasiado pesada e “importante”, sem nenhum “hook” ou “hit” com que se possa sair do cinema a trautear, e desempenhada por todos daquela forma mais respirada que cantada, como se não houvesse confiança na capacidade ou vontade. Há também alguns momentos de dança que são tão insólitos e sem trazer algo para a narrativa, que nos leva a questionar se há aqui algum favor a um amigo ou se serão resquícios de algo mais arrojado.

As representações são todas muito pesadas, limitadas de tal forma que me foi quase impossível reconhecer o Tahar Rahim de “O Profeta” em grande parte do filme. A montagem na primeira hora é muito rápida e com grandes elipses, o que ajuda a uma maior confusão, assentando mais para o final. A paleta de cores usada é muito limitada, ficando-se muito pelos azuis escuros, o que contrasta nos poucos momentos em que varia para tons mais naturais, mas acaba por acentuar a demasiada seriedade já referida da música. Talvez seja esse o grande ponto de contacto entre este Don Juan e o original: todas as boas intenções e importância dada apontam para um novo moralismo, desta vez pudico e laico. Mais uma oscilação pendular de uma disputa que ainda vai persistir durante algum tempo.

Pontuação Geral
João Miranda
Jorge Pereira
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