Aos 84 anos, o veterano cineasta Jerzy Skolimowski inspira-se em “Au Hasard Balthazar” (Peregrinação Exemplar), de Robert Bresson [um dos filmes preferidos do polaco], para fazer um retrato cinematográfico sobre a natureza humana, levantando facilmente a questão sobre quem são, afinal, as bestas no nosso planeta.

A história parte de um burro batizado de EO, e o contraste com Bresson não podia ser mais vincado: se em Bressson encontramos uma mise-scène austera e com uma atenção meticulosa a todo um processo, Skolimowski responde com uma explosão de cores e outros delírios sensoriais, um expressionismo que nos convida a acompanhar o asno desde o seu trabalho duro num circo, até ao tímido final com a sua entrada para um matadouro. Pelo meio, temos ainda acesso a rotas de tráfico de cavalos, rivalidades entre claques de futebol, e até Isabell Huppert, numa aparição relâmpago, a chocar de frente e a influenciar a vida do nosso animal, uma criatura que, no final de contas, nunca deixa de estar (semi)consciente que os humanos, essas bestas que comandam o mundo, vão acabar por derrubá-lo.

Por isso mesmo, “EO” é nitidamente um projeto de ambições em linha com a causa animal, traçando assim uma espécie de linhagem com filmes como “Gunda” de Viktor Kossakovsky ou “Cow” de Andrea Arnold, ainda que este pequeno objeto de Skolimowski teime em distinguir-se dos demais , quer no estilo, quer na forma, revelando-se acima de tudo uma obra sensorial muito menos críptica que os primeiros minutos pareciam indicar.

Claro que tudo isto pode facilmente ser apelidado de propaganda, até porque em certo momentos são demasiadas as sensações humanas incrustadas no nosso asno, onde se incluem flashbacks das suas memórias. Porém, por outro lado, os comportamentos são eles mesmos animalizados, conseguindo assim Skolimowski, em escassos 87 minutos, arrebatar o espectador com um filme tão bizarro como sincero, onde ficamos a conhecer mais a loucura totalitária do Humanismo, que propriamente retalhos da vida de um burro. 

A não perder.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
eo-bresson-por-skolimowskiJerzy Skolimowski inspira-se em "Au Hasard Balthazar" (Peregrinação Exemplar), de Robert Bresson, para entregar um objeto cinemático sobre a natureza humana