O regresso triunfante da realizadora húngara Ildikó Enyedi em 2017, após um hiato de 18 anos que terminou com o lançamento do belíssimo “Corpo e Alma”, revela agora ser menos promissor do que se havia antecipado. A subtileza, a estética onírica e a leveza desse filme, que aliás lhe valeram um merecido Leão de Ouro em Berlim, dão lugar ao classicismo quase enfadonho desta “História da Minha Mulher”, uma narrativa com praticamente três horas que adapta um livro homónimo escrito por Füst Milán em 1942.

É poucos anos antes que decorre a ação, despoletada por dois amigos – Jacob, um capitão de navios cargueiro, e Kodor, um charlatão – que fazem uma aposta desafiando Jacob a casar-se com a primeira mulher que entrar no café onde estão. Tanto o leitor como o espectador calculará que é precisamente isso que acontece, e é Lizzy, uma mulher cujas intenções permanecem frustrantemente desconhecidas ao longo do filme, a vítima dessa brincadeira. Toda a obra é um exercício de desconstrução desse estatuto de vítima, tornando ambíguo qual elemento do casal está a enganar o outro: o marinheiro ausente disposto a casar com uma estranha ou a misteriosa mulher que aceita tal proposta indecente?

O grande problema do filme é estender-se num caminho de sucessivos vai-e-volta, em que Jacob e Lizzy trocam constantemente de posição, ora assumindo o seu amor, ora sendo consumidos pela desconfiança e a suspeição. Numa obra tão elegantemente filmada como esta (pelo diretor de fotografia Marcell Rév, mais conhecido pelo seu excelente trabalho na série “Euphoria”), o espectador nunca chega a ficar totalmente fatigado pela narrativa, tal é a beleza suave da luz, em composições algures entre o maneirismo e o barroco. Mas nem a fotografia consegue salvar uma história que se torna repetitiva e circular, em que cada avanço corresponde a um recuo. Acima de tudo, o filme torna-se frustrante e, quando chega, o final já não é capaz de ter o impacto que possuiria num filme menos longo e menos propenso a deambulações.

Não ajuda que os diálogos, numa tentativa desnecessária de apelar a um público mais vasto, sejam em inglês, quando o elenco é internacional e o inglês não é a primeira língua de nenhum deles. Léa Seydoux e Gijs Naber esforçam-se por desempenhar os seus papéis com autenticidade, mas a entrega das falas nunca consegue ultrapassar completamente essa barreira linguística, restando sempre algum desconforto e fingimento.

Paira sobre cada cena de “A História da Minha Mulher” a aura da dúvida, a instabilidade dos sentimentos de Jacob e de Lizzy, a sombra constante da traição. Mas falta-lhe vida, que só em breves momentos vai fazendo aparições ao longo das três horas. É pedir muito ao espectador que desfrute de um filme assim, em que cada imagem, por bela que seja, é como uma natureza morta.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Rodrigo Fonseca
a-historia-da-minha-mulher-confianca-e-traicaoNem a fotografia consegue salvar uma história que se torna repetitiva e circular, em que cada avanço corresponde a um recuo.