The Souvenir Part I” dividiu críticos e audiência em 2019. Se por um lado chegou a ser indicado como o melhor filme daquele ano, por outro, foi visionado com tédio e impaciência.

A sua lentidão e egocentrismo a isso ajudaram, pois pouco foi feito para derivar uma narrativa de reflexos autobiográficos entre a realizadora Joanna Hogg e a personagem de Honor Swinton Byrne, Julie, uma jovem estudante de cinema que viveu uma relação sadomasoquista com um viciado em heroína.

Baseando-se nas suas experiências, a realizadora iniciou com aquele filme uma viagem de memórias em busca de uma catarse, de uma libertação. Esta termina agora com “The Souvenir Part II“, uma exploração metatextual ainda mais pessoal, confiante, erudita, académica, e em momentos, sensaborona.

Hogg abre a narrativa de Julie, expandindo-a aos seus amigos e aos pais (James Spencer Ashworth e Tilda Swinton, mãe de Honor na vida real), revelando o lastro angustiante que advém da morte do carismático namorado Anthony (Tom Burke); mas também os alicerces onde ela se suportará para sair da depressão.

A segunda parte deste díptico começa então onde o primeiro terminou: Julie está de luto e a sua vida em pedaços. Ela não sabe do que sente falta e não sabe como voltar a ter algo em si. Para expressar o seu pesar, foca-se no seu projecto final de curso, onde irá criar um filme com o título Souvenir, um memorial a “amigos ausentes”. Ao criar este objecto fílmico, irá confrontar-se com o seu passado, organizando as suas memórias e os seus sentimentos.

The Souvenir Part II” torna-se assim uma matrioska de lembranças, um filme dentro de um filme, um jogo espiralado de metaficção entre a realizadora Joanna Hogg e a personagem de Julie, que nos remete a espaços, gestos e reflexos de The Souvenir Part I.

Hogg decanta e volta a misturar com imaginação as suas emoções, procurando dar tempo a Julie para se aproximar de si mesma, enquanto ambas navegam nos seus próprios mantos de complexidade e luta criativa.

Para além da terapia pessoal, há ainda observações e análises ao mundo da produção cinematográfica. Estereotipando, Hogg mostra-nos as figuras que povoam o plateau, onde desde o realizador excêntrico (Richard Ayoade) aos estudantes vibrantes, assistimos a egos que se confrontam e a receios que são manipulados por prepotentes que deturpam o seu humanismo.

E é neste mar de subtextos que avançamos, também em busca da voz e verdade de Hogg e Julie, enquanto estas espelham as suas recordações, até acabarem por aceitar que a sua arte serve para continuar a criar lembranças.

Pontuação Geral
Daniel Antero
the-souvenir-part-ii-matrioska-de-lembrancas "The Souvenir Part II" torna-se assim uma matrioska de lembranças, um filme dentro de um filme