Uma ovação afectuosa fechou a sessão de ”Land of Dreams”, a sátira política que trouxe o actor Matt Dillon e a realizadora Shirin Neshat ao Gartenbaukino de Viena, para a 59ª edição da Viennale.

Juntos, distorceram o absurdo do “American Dream” através de um projecto com leve surrealismo, onde num futuro não muito distante, numa América de fronteiras fechadas, o governo grava os sonhos dos seus cidadãos, procurando controlar os seus receios e desejos.

Num projecto inspirado pelas circunstâncias políticas pré-Biden, Shirin Neshat, artista visual que aqui apresenta a sua terceira longa-metragem, refere que “arriscou uma crítica surreal à sociedade americana” composta por “um tributo aos artistas que viveram em asilo e ousaram criar”, não esquecendo o seu povo iraniano e “a revolução, onde pessoas foram condenadas pela sua ideologia e outras absurdamente ainda sonham com outra revolução”.

Num país onde a liberdade de expressão foi sendo cada vez mais oprimida e a arte passou de querer capturar sonhos a ser um gatilho imediato de polarização, “Land of Dreams” resvala entre dois mundos: Irão e EUA, realidade e sonho, religião e cepticismo; enquanto se abre como tela para fotógrafos e actrizes, poetas deambulantes, cantoras e pintores solitários; todos em busca da materialização do seu imaginário, e consequentemente, das suas raízes.

O ponto comum a estes é Simin (Sheila Vand de “A Girl Walks Home Alone at Night“), uma iraniana que quer saber o que é ser-se uma americana livre. Ela trabalha para o Census Bureau e faz parte da equipa de técnicos responsáveis por gravar os sonhos da população. Mas após a gravação, ela faz algo mais: tira fotografias aos sonhadores e depois de traduzir os sonhos para farsi, maquilha-se e imita-os de frente para a câmara.

Matt Dillon na Viennale

A determinado momento, Simin é enviada à “Colony”, uma fortaleza no meio do deserto repleta de velhos soldados iranianos. Esta experiência irá agitá-la, colocando-a num estado volátil, a partir do qual se questionará sobre a sua pertença e a verdade do American Dream.

Matt Dillon, que representa Alan Villain, o guarda-costas de Simin, assume que o que o cativou para o projecto, foi o “absurdo das fronteiras” e a “exploração de elementos inexplicáveis durante intervenção na psique das pessoas”. O seu papel representa uma face desta alegoria que explora a identidade americana: a do macho arrogante; mas Dillon enternece-se e inspira fundo, lembrando os sentimentos de “elação e alívio com a vitória de Biden”, enquanto aspira pela aceitação e compaixão sobre os imigrantes e incentiva “a colaboração artística como meio para revelar novas perspectivas”.

Último filme escrito por Jean Claude Carriére, colaborador de Phillip Kaufman e Luis Buñuel, e co-realizado entre Neshat e Shoja Azari, “Land of Dreams” é também um palco de evocações de “um cinema que já não existe” como refere Neshat, ela que cita a presença de Isabella Rossellini no filme, para evocar Blue Velvet, ao qual acrescento ainda Paris Texas de Wim Wenders, homenageado com recorrência.

Filme gentil e menos excêntrico do que se acha, “Land of Dreams” é uma colecção de vinhetas, de entrevistas e de experimentações visuais onde se combina o íntimo expansivo do espírito “Americana“, com a força em grande plano de várias fotografias de mártires iranianos. Em conjunto iluminam as semelhanças entre o regime islâmico e a América contemporânea e apresentam vozes dos imigrantes que assumem que este país também é seu.

Pontuação Geral
Daniel Antero
Jorge Pereira
land-of-dreams-o-absurdo-nas-fronteiras“Land of Dreams” é uma colecção de vinhetas, de entrevistas e de experimentações visuais onde se combina o íntimo expansivo do espírito Americano