Desde “Arrival- O Primeiro Encontro” que o canadiano Denis Villeneuve nunca mais largou a ficção científica. Mais conhecido por dramas humanos intensos, repletos de dilemas morais e uma explosiva tensão (Incendies; Raptadas; O Homem Duplicado; Sicario), Villeneuve arriscou (é a palavra certa) ser o nome que se seguia a Ridley Scott na franquia “Blade Runner”, realizando, com os resultados medianos que conhecemos, “Blade Runner 2049”. 

Nesse filme, curiosamente, os dramas internos do protagonista, a tentar encontrar o seu lugar e destino (Ryan Gosling), ecoam neste “Dune” (Duna) e na sua peça central, Paul Atreídes (Timothée Chalamet), que juntamente com a sua família de brasão (a Casa Atreídes) dirige-se a pedido do imperador para o planeta Arrakis – também conhecido como Dune – para tomar conta da produção de uma especiaria que é a chave para controlar o universo. Um outro passo arriscado (mas não em falso) do cineasta, já que ele não só se prontifica a adaptar uma obra literária de Frank Herbert que se tornou objeto de culto, como em dar uma nova vida e visual a um universo que Alejandro Jodorowsky chegou a projetar na década de 1970 (num filme nunca concretizado), e David Lynch pegou nos anos 80 com os problemas e desastres que conhecemos da produção (entre eles a sua renúncia ao próprio projeto, que se revelou um desastre comercial mas que conquistou também o estatuto de culto)..

Não era assim tarefa fácil, à partida, a missão que Villeneuve tinha pela frente, sendo fulcral acrescentar que a toda esta responsabilidade foi acrescentado outro fardo motivado pelos tempos que vivemos: o de criar uma franquia partindo de um primeiro filme que teria de revigorar o termo e a forma dos blockbusters do novo milénio (indo além do que Christopher Nolan faz desde “A Origem“), isto num mundo onde a pressão pelo sucesso nas bilheteiras das salas de cinemas é servido como “pão para a boca” do futuro da 7ª arte.

É no meio disto tudo que o canadiano teve de trabalhar e conseguiu com esta sua versão, partida (pelo menos) em dois capítulos, um objeto muito longe do que chamaríamos blockbuster corriqueiro, e que – generalizado – depende essencialmente de ação frenética e pipoqueira embutida num exercício visual e sonoro espampanante que serve de interlúdio para dramas pessoais que partem do que chamo complexo Disney, assente em diversas disfunções familiares que irão condicionar todo um planeta ou galáxia (pense-se nos filmes da Marvel e “Star Wars”).

Ora, este novo “Dune” não vai principalmente por aí, embora o complexo do “escolhido” (frequentemente presente nesses universos) transite com facilidade para aqui a partir do material original.

Rebecca Ferguson em “Duna”

Nunca abandonando um jeito introspetivo, onde não faltam alegorias e elementos que se querem (ou pensam) poéticos e filosóficos, Villeneuve consegue entregar algumas boas doses de espetáculo (entretenimento cerebral) e drama (especialmente em torno de Paul Atreídes), mas também não se esquiva a momentos mais entediantes em que o espectador anda perdido e entulhado por um enorme volume de informação sobre gadgets, geografias, civilizações e questões geopolíticas de um novo universo que se lhes apresenta pela primeira vez.

O resultado final não é assim muito diferente do que o cineasta conseguiu em “Blade Runner 2049”, a mediania, uma forma morna de revigorar um produto, ainda que longe da nostalgia, aqui adensado pelo facto de sabermos que só teremos acesso a metade da história e nenhuma resolução, pois só no próximo (eventual filme) ela surgirá.

Acresce-se a isto tudo a forma algo insossa e até letárgica com que Timothée Chalamet e especialmente Zendaya transmitem para o espectador os dilemas e missões inerentes às suas personagens (foi difícil criar empatia com estes dois “heróis), um contraste ao que Rebecca Ferguson oferece como mãe do protagonista (facilmente a melhor em cena), ou até Jason Momoa, ainda que este, mais uma vez, esteja entregue a um papel musculado sem qualquer profundidade além do desancar em todos os que se atravessam à sua frente. 

Por isso mesmo, e até pelo espírito de missão que o nosso protagonista adquire, aliado a todo um naipe de questões geográficas-civilizacionais-políticas de um teatro de guerra, “Dune” sente-se mais um “Senhor dos Anéis” espacial que um novo “Star Wars”, conseguindo Villeneuve nos cativar dentro dos mínimos para este universo, sem nunca ser efetivamente brilhante.

Mas esse eventual brilhantismo, talvez, como em tantos outros casos, poderá ser mais perceptível (ou não) quando o segundo filme chegar, pois neste momento o que parece é que este “Dune” é apenas um “filme-piloto” de uma temporada/universo que terá vários episódios, caso exista luz verde por parte da produção para isso.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
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