Quinta-feira, 2 Maio

«Prisoners» (Raptadas) por Roni Nunes

 

O primeiro filme em Hollywood de um realizador consagrado fora deste circuito é sempre um teste decisivo para sua longevidade criativa (ou comercial, o que para efeitos de crítica não tem relevância). Coube a Denis Villeneuve, aclamado internacionalmente com Incendies – A Mulher que Canta (2011), escolher um filme de suspense para um trabalho de maior orçamento e com um elenco de estrelas.

Raptadas (mau título português, que reduz o alcance simbólico do original – mas pelo menos ficou longe do subtítulo ridículo do anterior) trata do desaparecimento de duas meninas. Ao longo de duas horas e meia o filme debruça-se sobre as reações dos principais envolvidos – os pais das duas crianças (Hugh Jackman, Maria Bello, Viola Davis, Terrence Howard), um policia obsessivo (Jake Gyllenhaal), o principal suspeito (Paul Dano) e a tia deste (Melissa Leo).

O resultado não é um fait divers ao estilo de um Sete Pecados Mortais, de David Fincher. O filme é um mergulho sombrio num mundo de fantasmas tipicamente europeus (as caves, a pedofilia) e americanos (os assassinos em série). Se Michael Haneke fosse fazer um filme de serial killers isso seria provavelmente o resultado mais próximo – se não tanto pela crueldade (que não está ausente) quanto pelo estilo – baseado em planos fixos e num compasso de tempo muito diferente dos thrillers tradicionais.

O resultado é uma obra que troca frequentemente as voltas ao espectador ao jogar, e frustrar, os sentimentos de antecipação que se aprecia num filme de suspense. Em Raptadas nunca se oferecem revelações no tempo em que se espera, assim como não há uma sequência de descobertas elucidativas. Estas são concedidas a conta-gotas e, mesmo no final, está ausente a aceleração típica dos filmes do género.

A abordagem privilegia antes um tratamento de fundo dos personagens, de onde surge o mais interessante de todos, o pai de uma das meninas, Keller Dover (Jackman), que serve a Villeneuve para retomar o tema central de Incendies – o da herança. Dover é um homem rigoroso, que tem uma cave cheia de mantimentos para eventuais catástrofes e disposto a ir ao limite para assegurar o papel que escolheu/escolheram para ele: o de protetor da família. A sombra terrível da tragédia paterna define toda a sua ação no presente, ao mesmo tempo que está muito evidente a urgência do que ele próprio está a transmitir ao filho adolescente.

Se histórias de assassinos em paisagens de inverno não são propriamente originais, o tratamento dado por Villeneuve é claramente diferenciado e projeta-o como um cineasta a seguir com atenção.

O Melhor: a atmosfera lúgubre, Jackman e Gyllenhaal
O Pior: o estilo nem sempre conjuga bem com o suspense


Roni Nunes 

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