Quando as pessoas ouvem a palavra de Deus, as suas ações (da bolsa) mantém-se em alta!” Quem o diz é Tammy Faye Bakker (Jessica Chastain), a personalidade da televisão religiosa e evangélica americana, no seu apelo de encorajamento aos telespectadores-crentes no sentido de aumentarem a devoção e investimento na causa defendida pelo gigantesco império criado por ela e o marido Jim Bakker (Andrew Garfield), durante os anos 70 e 80. O filme de Michael Showalter, apresentado em competição, acompanha precisamente essa ascensão, mas também a queda deste casal missionário apostado em aliar a ambição de prosperidade à fé cristã.

Naturalmente, o filme assenta em grande parte no mimetismo de Jessica Chastain em transformar-se nesta mulher, com voz de Betty Boop, que elevou, juntamente com o marido, o credo evangelista a um outro patamar. Algo que conseguiu sobretudo pela acção do canal de televisão The PTL Club, cuja magnitude de expansão deste negócio pago pelas contribuições chega mesmo a incluir o imenso Heritage Park, um misto de parque de diversões para fiéis e espaço residencial. Isto antes do colapso provocado pelas acusações de fraude e conspiração do marido, acabando por conduzir à dissolução do seu património, em meados dos anos 80.

Pelo exposto, percebe-se bem a força da persona e o desejo da emulação pela indústria de Hollywood. E o resultado poderá muito bem ser a atribuição do prémio de interpretação feminino, no festival de San Sebastian, a Jessica Chastain e até à colocação na rampa de lançamento para os prémios do final do ano e, claro, os Óscares.

E o interesse desta história, por certo conhecida por milhões de americanos, reside no arco narrativo que proporciona e que o filme se limita a seguir. O que transforma este trabalho do relativamente desconhecido Michael Showalter, com uma carreira modesta mais ligada à televisão, num mero veículo de promoção de personalidade, como sucede com o talento inegável (e sobretudo o resultado) de Jessica Chastain.

Por falar na tremenda escolha de Jessica, tão parecida com a verdadeira Tammy, torna-se difícil do público português não sentir uma inevitável proximidade física com a socialite televisiva Cristina Ferreira – a proximidade com a composição de Chastain é avassaladora -, bem como, naturalmente, com a sua ascensão meteórica e até mesmo o tipo de abordagem pessoal, alguns tiques. Enfim, um ‘boneco’ que quase parece emular a própria personalidade que começou por lançar uma revista e cedo impôs o seu próprio império de comunicação mediática. Enfim, coincidências.

A história idílica quase se conta como um conto evangélico. Desde o encontro do par numa reunião eclesiástica, algures no Minnesota, ainda no início dos anos 70, onde a atitude efervescente e púdica cedo os cunhou para uma vida a dois, num espectáculo orientado para plateias juvenis mediado por uma marioneta. Mas que depressa evoluiu para um design mais ambicioso em que o negócio era um fim a alcançar. Sobretudo quando percebem a força magnética do veículo televisivo, que acabou mesmo por receber um elogio de Ronald Reagan pelo apoio dado à sua campanha presidencial. Um sucesso muito apoiado no modo de comunicação familiar, doméstico mesmo (como Cristina), mas também profundamente musical, graças aos dotes e à vontade de Tammy para cantar. Mas também para inovar, e dessa forma se distanciar e criar inimigos no seio evangelista, como o pastor Falwell (em mais uma irrepreensível prestação de Vincent D’Onofrio) ao incluir as pessoas com doença, e em particular a comunidade LGBT, sobretudo na altura do flagelo da sida.

É claro que este tipo de registo muito vincado dificilmente deixa espaço para um fino recorte cinematográfico. Razão pela qual, “Os Olhos de Tammy Faye“, cuja explicação do título é logo dada no início, quando uma Tammy já com idade refere que as suas pestanas postiças, são permanentes, tal como a sua linha do batom. Ou seja, a sua maquilhagem. O boneco. Claro, isso vale um filme. É este. Até porque a relativa redenção no final confere ao filme uma certa salvação.

Pontuação Geral
Paulo Portugal
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