Quer seja pela força sensorial do seu cinema, quer pela dimensão psicológica das suas personagens, frequentemente martirizadas e a caminhar sobre as linhas ténues entre amor e obsessão, o cinema de Fabrice Du Weltz tem deixando a sua marca no panorama belga, havendo nele uma constante força e uma tentativa de entender as mudanças comportamentais humanas perante eventos dramáticos aterrorizantes.

E depois da trilogia das Ardenas, que incluía “Calvaire”, “Aleluia” e o mais recente “Adoration”, Du Weltz volta a mostrar qualidade, mesmo que no enredo do seu novo filme, “Inexorable”, estejam em cena elementos derivativos capazes de nos remeterem a objetos fílmicos  como “Atração Fatal”, “Jovem Procura Companheira” e até “Parasitas”.

No centro de tudo temos Marcel, um escritor, interpretado por Benoit Poelvoorde, o qual já tinha surgido em “Adoration”. Autor consagrado, especialmente por um livro chamado “Inexorable”. O homem muda-se para um château acompanhado pela mulher (Melanie Doutey) e filha (Janaina Halloy Fokan) para viver e aproveitar o seu sucesso. Porém, um dia, o seu belo cão branco desaparece e é encontrado por Gloria, uma jovem que vimos chegar ao local e que logo percebemos ter uma “agenda” oculta por revelar.

Progressivamente, essa jovem faz amizade com a filha do casal e consegue criar intrigas que afastam outras pessoas da esfera familiar. Ganha a confiança de todos e começa a trabalhar para eles, mas aos poucos vamos entendendo a sua jornada obsessiva para com o escritor, e que põe novamente em cena uma figura que na História do Cinema ganhou particular força nos anos 70, mas que viajou até bem recentemente, pelo menos antes dos tempos do #MeToo e #TimesUp travarem um pouco a sua progressão estereotipada: eis o retorno da mulher psicótica, capaz de fazer tudo para concretizar os seus desejos, que aqui vão além da vingança. Alba Gaïa Bellugi é quem prossegue – na sua psicologia e expressividade física – o legado deixado por atrizes como Glenn Close e Jennifer Jason Leigh, aproximando-se cada vez mais de forma tóxica da personagem de Poelvoorde, que por possuir um segredo nefasto não é assim – de tudo – uma mera vítima inocente.

Du Weltz volta a usar todo o engenho estético e sonoro para tornar tal material já visto e revisto em seu. Da banda-sonora (onde Vivaldi volta a deixar a sua marca), ao poder das imagens (sempre tingidas num opressor vermelho alaranjado), “Inexorable” tem marcas “giallo” já com o selo próprio do belga, criando uma atmosfera de crime e vingança requintada, fruto de segredos e mentiras por desvendar. E existem particularmente duas cenas absolutamente estonteantes: uma onde o heavy metal irrompe pelo ecrã, através da filha do casal, cada vez mais ligada à nova ama e menos ao casal; e outra, a da confrontação final, onde a direção de fotografia mostra um novo calvário e sacrifício, acentuando que quando se trata de psicoses, a explicação e a lógica esbarram frequentemente no absurdo, deixando a imprevisibilidade guiar um desfecho, onde a redenção não é de todo o objetivo final.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
inexorable-fabrice-du-weltz-e-o-regresso-da-mulher-psicotica“Inexorable” tem marcas “giallo” já com o selo próprio do belga, criando uma atmosfera de crime e vingança requintada, fruto de segredos e mentiras por desvendar