A vida dos marginalizados pelo sistema, os sem-abrigo, tem sido particularmente explorada em todos os continentes, mas este retrato carregado num preto e branco nítido que se entranha e nunca se estranha, aliado a uma criteriosa partitura de sons magnetizantes, colocam este “Dirty Feathers”, do mexicano-americano Carlos Alfonso Corral, na lista de obras que com a sua contemporaneidade têm algo de poderoso a acrescentar.

Produzido por Roberto Minervini, com quem Corral trabalha desde “Stop The Pounding Heart”, Dirty Feathers” é um retrato de um sistema falido que sistematicamente lembra que o mundo se divide entre os “vencedores” e “perdedores”.

Nessa catalogação que serve de fresco ao falhanço do sonho americano, é dos “loosers” que Carlos Alfonso Corral se ocupa, seguindo-os por uma cidade de El Paso, no Texas, onde se amontoam na periferia do sucesso, muitas vezes embaixo de viadutos que, certamente é representativamente, aqui ou em Hong Kong, representam a estrada para uma vida melhor que por alguma razão não conseguiram seguir. E pior as coisas ficam quando percebemos que estes homens e mulheres, com passados marcados por tragédias, drogas, crimes, mas também sucessos interrompidos por qualquer um dos elementos anteriores, está até arredado do Centro de Oportunidades para os Sem-Abrigo em El Paso, tornando-os ainda mais esquecidos (ou empurrados para um canto) e invisíveis.

A lente de Corral, fotógrafo, encontra sempre a melhor posição para fazer uma verdadeira “reportagem de guerra”, a capitalista, que produziu esta verdadeira vaga de refugiados, sejam ele um pai ainda em luto pela morte do filho, e que tatuou nas suas mãos uma homenagem, seja um casal que ambiciona uma vida melhor para o filho prestes a nascer, ou um outro que jura que fez parte dos Top Gun e pilotou caças da marinha americana. E há também os que cospem (literalmente) em Trump, rufias que apregoam violência, e também dois homens que comparam problemas de saúde mental, como se estivessem em competição.

Mas além de realmente Corral captar pessoas e não caricaturas, existe uma enorme alma transformada em objeto artístico-social que revela um olhar singular de um cineasta numa primeira obra. E por tal, convém manter este jovem realizador debaixo d’olho, até porque na América pós Chloé Zoe (The Rider; Nomadland), os marginalizados, os periféricos ganharam novamente atenção das massas.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
dirty-feathers-o-lado-b-do-sonho-americanoNa América pós Chloé Zoe (The Rider; Nomadland), os marginalizados, os periféricos ganharam novamente atenção.