Curiosa a forma romântica e humorística que a francesa Céline Devaux encontrou para falar de uma mulher em depressão e profunda crise existencial, mas que se recusa a assumir isso mesmo, ou até a deixar cair uma lágrima quando toda a sua vida desaba com uma humilhação associada.

Com alguns elementos autobiográficos, até porque a cineasta confessou no Curtas Vila do Conde ter sofrido depressão e sentir-se ainda pior com isso porque estava “numa cidade ridiculamente bonita como Lisboa”, “Toda a Gente Gosta de Jeanne” foca-se em Jeanne, uma mulher que após o fracasso de um projeto ambiental e a morte da mãe se vê em Lisboa cheia de dívidas e preparada para vender o espólio materno, que consiste numa casa com uma vista assombrosa para a cidade.

É difícil não pensar em Bridget Jones quando olhamos para Jeanne, também ela entregue a uma espécie de triângulo amoroso que se cria nos entretantos lisboetas, mas o pensamento e arranjo das personagens e a forma da  narrativa têm muitas semelhanças agridoces e sarcásticas que fazem lembrar o trabalho recente de realizadoras como Sophie Letourneur (Énorme, Les Coquillettes) e Valérie Donzelli (em especial “Notre Dame”), recortados por entre tiras de animação assinados pela própria Céline que chegam até nós como a voz da consciência de uma Jeanne que é o verdadeiro rosto do mal-estar.

Depois de duas curtas-metragens de animação (Vie et mort de l’Illustre Grigori Efimovitch Raspoutine; Le repas dominical) e um híbrido (Gros Chagrin) muito na forma deste “Tout le monde aime Jeanne”, Devaux orquestra um objeto que tanto sobrevive na forma de sketches individuais como num todo, entregando ao espectador um filme que tanto diverte e é ligeiro, como pesado e reflexivo nas entrelinhas.

Blanche Gardin, no papel de Jeanne, mostra na plenitude o mal-estar da sua personagem, quer através da expressividade corporal, que pelas palavras causticas que usa, cabendo à voz da consciência a partilha com o espectador das suas indecisões e dúvidas existenciais. Curiosamente, Lisboa assume no filme de Devaux a forma de personagem, onde não faltam algumas bicadas ao que a cidade se tornou nos últimos tempos, com as imobiliárias a transformarem-se em patronos de uma renovação habitacional que expulsou os seus residentes habituais (e que atraiu tantos franceses para a cidade).

E falta ainda mencionar a dupla de homens que, cada um ao seu jeito, tenta absorver a atenção de Jeanne, que nos tempos de liceu era muito popular e todos amavam. Laurent Lafitte contribui com uma anarquia transformada em joie de vivre, enquanto – finalmente – Nuno Lopes abandona a sua postura de galã latino – que tantas vezes vemos no cinema gaulês (De “Uma Rapariga Fácil” a “Azuro”) – e incorpora um professor de música já com um filho na bagagem e um passado em comum com Jeanne. 

Pontuação Geral
Jorge Pereira
toda-a-gente-gosta-de-jeanne-menos-elaDevaux orquestra um objeto que tanto sobrevive na forma de sketches individuais como num todo