O bebé ninja do título desta comédia dramática norueguesa, presente na secção Gerações da Berlinale, é alegórico ao facto de – com vinte e poucos anos e seis meses sem transformações relevantes no seu corpo – a rebelde, amante do estilo de vida “sexo, drogas e rock n’ roll”, Rakel, descobrir que está grávida. 

Ao choque e incredulidade dessa gravidez “silenciosa” junta-se rapidamente o repúdio, não ao feto, mas ao pai, que afinal não é aquele rapazito bem parecido que dá aulas de Aikido e que cheira deliciosamente a “manteiga”, com quem teve sexo há 3 meses, mas sim a um tipo desprezível com quem andou a divertir-se uns tempos e que tem a não muito simpática alcunha de “Dick Jesus”.

Depois de também lidar com a gravidez e a maternidade na sua obra em estreia para o cinema, “Women in Oversized Men’s Shirts” (2015), Yngvild Sve Flikke volta a pegar no tema adaptando a banda-desenhada Fallteknikk com uma abordagem de chegada à idade adulta, à maturidade, onde nunca falta o humor, a meditação e doses artesanais de sacarina que afastam o cenário de qualquer queda abrupta nos clichés. Mas melhor que isso é vincar e contrariar um clichê: o sonho da maternidade não é para todas as mulheres e os papéis de género nessa ambição podem ser invertidos, como já se tinha visto em “Enorme” de Sophie Letourneur.

Kristine Kujath Thorp, que vamos ainda ouvir falar muito no cinema, veste a pele da jovem apanhada no meio de uma emboscada numa idade onde a diversão e despreocupação são pilares da sua vida. A reacção da sua Rakel à gravidez, manifestada em diversas sequências de confraternização cómica com uma amiga, ou com o tal professor de Aikido, revela ótimas capacidades dramáticas da jovem estrela nórdica, que atravessa vários géneros na condução da sua personagem (comédia, drama, mistério), sem nunca se sentir um peixe fora de água em qualquer delas.

Já Yngvild Sve Flikke toma a decisão de, ao adaptar uma BD ao cinema, aplicar segmentos de animação incrustadas em texturas de imagem real de traços naturalistas, fazendo lembrar um pouco a gímnica utilizada por Marielle Heller em “O Diário de Uma Rapariga Adolescente” (2015), mas com o tom mais agreste e menos redondinho, europeu, nórdico, um pouco mais “Wetlands” que “Juno”. É que afinal de contas não é todos dias que ouvimos o desabafo, que bem podia ter saído da boca de uma Fleabag com vinte anos: “devias ter-te vindo na minha cara e não dentro de mim“.

A equipa de atores secundários é também ela bem constituída, mas no caso destes – e na previsível conceção de um triângulo de eventuais responsabilidades sobre o feto – a sua dependência em relação ao guião sente-se mais, não conseguindo o par de homens sair da sombra de Kristine Kujath Thorp, que irradia carisma e versatilidade.

No final temos assim um coming-of-age descomplexado que conquista o espectador das dramédias picantes. E para isso nem foi preciso que o “Ninjababy” com quem Rakel tem infinitas conversas, e que se posiciona algures entre o alter-ego e o amigo imaginário, fosse realmente um shinobi e precisasse de uma espada.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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