Preso numa sociedade capitalista onde prima a competição, a juventude vê-se perdida a tentar manter-se à tona da água entre as suas responsabilidades laborais e os desejos artísticos. E quando o amor invade a vida desses jovens, outras equações são necessárias para encontrar o equilíbrio numa era de decisões fulcrais que condicionarão o futuro.

A primeira longa-metragem de Louda Ben Salah-Cazanas coloca em cena temas muito presentes na Nouvelle Vague para nos contar a história de uma nova geração, entre Lyon e Paris, que se move por diversas camadas de precariedade: a laboral, movida por empregos mal remunerados sujeitos a comissões de vendas, ou a serviços de estafeta e entregas de produtos onde vigoram princípios de avaliação profundamente subjetivos; a habitacional, onde rendas caríssimas nos centros urbanos muitas vezes adiam a saída de casa dos pais; e a relacional, na busca e manutenção do amor e amizade, motivado pelo seu arrastamento constantemente para segundo plano em função da Vida Ativa que se inicia e que exige entrega total. 

E é curioso perceber que apesar de ser uma obra ficcional, o realizador coloca muito da sua própria experiência no material que nos entrega. Ele mesmo, ainda antes de começarmos uma entrevista agendada, disse-nos que tinha estado a trabalhar momentos antes da conversa ocorrer, fazendo algum espelho da sua vida na do protagonista.

O foco aqui é Labidi (Aurélien Gabrielli, numa prestação magnética), um escritor a dar os primeiros grandes passos (ambições artísticas), estando prestes a assinar contrato com uma editora, mas que para sobreviver ao dia a dia tem de multiplicar-se em trabalhos precários (responsabilidades laborais) que vão adiando qualquer princípio de estabilidade. Esta precariedade, derivada fortemente por questões de classes que o cinema gaulês não se cansa em abordar, ganha novo vigor quando ele conhece uma jovem atriz de teatro com quem inicia uma relação e com quem pretende viver.

Longe de alguns princípios e elementos do passado, como os de aquisição facilitada de habitação (em vez dos alugueres temporários), motivada por uma tendência cada vez menor de manter-se um emprego estável para toda a vida, a realidade desta nova geração é de constante trânsito num processo de adaptação e readaptação permanente que adia todas as outras decisões.

Ainda este ano a argentina Ana Katz abordou isso no seu conto de toques surreais e caricaturais “El Perro Que No Cala”, presente no Festival de Roterdão, mas aqui o que o realizador faz é mostrar os verdadeiros dotes de equilibrismo de uma geração que tenta gerir o seu dia a dia sem deixar cair outros pilares da vida, e que vão desde aquilo que queremos ser, ao que somos e trabalhamos, passando pelo quem queremos ter ao nosso lado nesta travessia turbulenta a que chamamos vida.

E Louda Ben Salah-Cazanas – que vem de uma curta de ação engenhosa chamada “Geneva“, que há dois anos fez furor em Clermont-Ferrand – joga igualmente estas confrontações permanentes na forma estética com que trabalha o seu filme, dando a clara sensação das suas personagens viverem num permanente estado de crepúsculo e irrequietude, enquanto se movimentam por espaços (Lyon e Paris) onde só os lugares herdados pela geração passada, como o café dos pais ou o apartamento que partilham com alguém (amigo ou parceiro/a), servem efetivamente como refúgio aos milhares de não-lugares que diariamente atravessam, seja a trabalhar, escrever ou namorar.

A vida é o que acontece enquanto estás ocupado a fazer planos”, já dizia a reflexão de John Lennon.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
le-monde-apres-nous-um-guia-as-ansiedades-da-juventude-modernaUm belo retrato de uma juventude perdida a tentar manter-se à tona da água entre as suas responsabilidades laborais, os desejos artísticos e o equilíbrio emocional