Falar de Ana Katz é falar de forma transversal no cinema latino-americano do novo milénio, seja pela sua presença como atriz nos inesquecíveis “Whisky” e “Joel”, seja como argumentista e realizadora de filmes como “Una novia errante” (2007), “Los Marziano”(2011) e “Mia Amiga del Parque” (2015), que trafegaram com sucesso por certames como San Sebástian e Sundance, com o prémio de melhor argumento neste último a sorrir.

E à sua sexta-longa metragem, esta argentina de escola chilena conquistou Roterdão com “El perro que no calla” (2021), comédia dramática absurdista com um twist sci-fi que acompanha vários anos da vida de um homem (interpretado por Daniel Katz, irmão da realizadora) que reflete igualmente a irracionalidade de um mundo em constante transformação e necessidade de readaptação constante.

Construído num preto e branco vivido, longe do “gourmet” estético que se banalizou nos últimos anos, rasgado ocasionalmente por pedaços de animação repletos de carisma e negritude, “El perro que no calla” deve o seu título aos momentos iniciais, nos quais Sebastián, um designer gráfico, numa era em que toda a gente o é, é avisado pelos vizinhos com vigor, mas igualmente ternura, que o seu amigo de quatro patas chora e uiva compulsivamente de solidão enquanto está a trabalhar. A solução encontrada é o animal começar a ir para o trabalho com ele, mas rapidamente a chefia contraria essa intenção, proibindo o animal de estar no local. A partir daqui sucedem-se os pedaços de vida de um homem – mostrados de forma naturalista por um elenco coeso – que representa uma boa fatia da população global, entrando e saindo de projetos laborais, que vão desde a venda de produtos agrícolas, a professor, com o homem a adaptar-se constantemente aos desígnios do mercado e da vida, em paralelo a uma Argentina sempre em crise. 

Katz consegue assim, ao longo de pouco mais de 70 minutos, fazer uma crítica à sociedade capitalista, ao mercado de trabalho, e como este sistema condiciona a vida das pessoas, que no meio da incerteza dos tempos não conseguem responder além de uma resistência passiva. É um adaptar e readaptar constante.

E ao seguir a história pessoal de Sebastián, a cineasta conta também ela uma história pessoal, munida de particularidades, que vão desde a sua relação com o cão, até à mãe, chegando à esposa e filho que num mundo com uma estranha condição que obriga as pessoas com posses que se querem saudáveis a andar com um capacete na cabeça (soa familiar?).

Pontuação Geral
Jorge Pereira
el-perro-que-no-calla-manual-de-adaptacao-a-um-mundo-loucoKatz consegue assim, ao longo de pouco mais de 70 minutos, fazer uma crítica à sociedade capitalista, ao mercado de trabalho, e como este sistema condiciona a vida das pessoas, que no meio da incerteza dos tempos não conseguem responder além da passividade e readaptação