Há muito que o cinema explora as relações emocionais entre os humanos e figuras movidas a inteligência artificial, e só na última década surgiram três obras que se destacaram na multidão: “Her”, onde Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) apaixona-se por Samantha (voz de Scarlett Johansson), um sistema operativo; “Blade Runner 2049”, onde K (Ryan Gosling) mantém um relacionamento doméstico com Joi (Ana de Armas), um holograma; e “Ex Machina”, onde Caleb (Domhnall Gleeson) liga-se emocionalmente a Ava (Alicia Vikander), um robô humanóide.

Depois de ultrapassadas as barreiras de género, raça e credo, o cinema encaminha-se assim para uma nova fronteira, e filmes como “Jumbo” ou “Lars and The Real Girl” começaram a questionar se a felicidade é uma certeza palpável ou meramente relativa com base num modelo pré-definido e aceite socialmente, entre a moral e a ética.

A famosa atriz e realizadora alemã Maria Schrader, que há uns anos nos entregou “Stefan Zweig: Adeus Europa” e mais recentemente a série “Unorthodox“, é mais uma a entrar na discussão de um novo tabu, isto em tempos em que os algoritmos já nos condicionam a vida a toda a hora, seja no acesso à informação nas redes sociais, aos filmes e séries que vemos nas plataformas de streaming, e nos encontros reais que temos a partir de Apps que analisam compatibilidades. 

Comédia romântica assumida com um toque de ficção científica, coisa rara de se ver nos grandes festivais de cinema, e muito menos na competição principal, o centro deste “I’m Your Man” é Alma, uma cientista que, durante três semanas, vai viver com um robô humanóide cuja inteligência artificial foi projetada para permitir que se transforme na do seu parceiro de vida ideal.

Talvez o maior problema deste “I’m Your Man” seja o de sugerir que entra num desafio progressista e que está pronto para enfrentar e derrubar barreiras morais e éticas ao abordar o relacionamento entre homens e máquinas, mas, na verdade, ele mesmo parte de um princípio conservador e arcaico que é a definição de “homem [ou mulher) da sua vida”, a dita “alma-gémea”, que na verdade não passa de uma romantização artificialmente vendida para justificar a manutenção da monogamia como padrão. 

Mas esquecendo isso, até porque o conceito é também ele redesenhado e o filme é demasiado ligeiro antes de entrar em algumas questões existenciais, Schrader opta por montar o seu foco no termo Felicidade, colocando frente a frente aquilo que nos leva a esse estado e as barreiras externas e internas que nos fazem contornar ou seguir rotas para chegar a ela. Nesse aspeto, é um filme muito mais parecido com “Jumbo” do que com qualquer dos primeiros exemplos citados, saindo propositadamente da estrutura clássica narrativa que o género nos habituou.

Destaque para os dois protagonistas, Maren Eggert e Dan Stevens, ela encontrando realmente num arranjo de algoritmos a felicidade que procurava, e ele descobrindo que o erro e o absurdo fazem parte da programação do ser humano. 

O resultado final é misto, mas nunca uma viagem perdida, pois dentro da linhagem de entretenimento escapista estão ideias que merecem meditação.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Rodrigo Fonseca
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