Bizarro e irreverente são dois adjetivos fáceis de implementar em “Carro Rei” de Renata Pinheiro (Amor, Plástico e Barulho), clássico instantâneo de série B, estreado na competição Big Screen do Festival de Roterdão, que junta a luxúria de “Crash”, os instintos assassinos de “Christine”, e um humor negro e absurdo de Quentin Dupieux. Tudo numa história que lida em voz alta parece a versão irmãos Grimm de “Knight Rider” ou “Herbie”.

E tudo ocorre numa cidade brasileira, Caruaru (Pernambuco), onde descobrimos que Uno (Luciano Pedro Jr.), o filho do dono de uma empresa de táxis que ganhou o seu nome devido ao primeiro carro que a família teve, tem uma conexão extraordinária com os carros, já que consegue os ouvi-los e falar com eles. Isto dá um enorme jeito agora em que os veículos mais antigos, com mais de 15 anos, começam a ser impedidos de circularem livremente, alegadamente por questões ecológicas. Será junto com o tio que ele inicia uma transformação automóvel na região, materializada numa empresa denominada King Car’s, que da revolta dos oprimidos passa rapidamente a um conto capitalista, e deste parte para o populismo que varre o asfalto no caminho para o sucesso e domínio.

Esta deliciosa farsa sci-fi de estética bem “velha guarda” revela ainda proximidade com cinemas de zombies (os carros transformam-se uma espécie de mortos-vivos), mas também das sagas futuristas e distópicas em que as máquinas ganham poder e escravizam os humanos, falando no processo daquilo que já Chuck Palahniuk abordava em “Clube de Combate”: “as coisas que você possui acabam por possuí-lo“. E esse facto, segundo o filme, na história do Homem, começou na pré-história, com a criação da primeira ferramenta e dependência dela.

Na verdade, este conto sarcástico que serve como aviso à relação de dependência do homem com a tecnologia, e como esta acentua (nas aparências) um maior desajuste na estrutura de classes – que certas leis acentuam pois atacam diretamente os com menos posses – evolui rapidamente para temas maiores no cinema de Michel Franco, por exemplo, partindo do princípio que as revoluções cheias de ideologia e carácter combativo contra um sistema esquadrinhado para separar classes, ricos e pobres, rapidamente se transformam em objetos de domínio capitalista à procura do monopólio e do totalitarismo. 

E no meio disso tudo, conseguirá Uno travar esta batalha e vencer? Só vendo para crer…

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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