O cinema de Oliver Laxe respira o rumor da paisagem e dos homens que a habitam. Não se trata de um confronto com as forças da Terra, uma nostalgia cansada por um passado primordial e puro como se a ordem natural do mundo fosse um milagre bom, antes um choque atordoante perante a máquina dessa modernidade idiota e infantil que tanto nos tem cegado . Em “Mimosas”, esse lindíssimo filme que lhe abriu definitivamente as portas para o palco do cinema internacional, a crueldade rochosa do deserto de Marrocos fazia o pano de fundo de uma caravana em “peregrinação”, uma última viagem capaz de dar o descanso justo a um sheik à beira da morte.  Filme de contrastes entre uma urbanidade mecânica e uma natureza bruta, “Mimosas” era também uma obra deambulante, como se o movimento do corpo e do pensamento conduzissem ao conforto da redenção. Podemos olhar para este “O Que Arde” como uma declinação desse imaginário – a mesma atenção à aparição da natureza, mas numa textura muito mais contida e interior.

Aquilo que mais impressiona neste “O Que Arde” é esse lado mais fechado, ou mesmo enclausurado, em que se encerram os personagens. Rodado na Galiza, região natal de Laxe, numa pequena aldeia cercada por uma floresta densa e de uma vitalidade quase alucinante, o filme conta-nos a história de um regresso da prisão, uma libertação para liberdade nenhuma de um pirómano que “prefere caminhar” à chuva em vez de apanhar uma boleia. É um Bartleby da floresta, um homem que carrega consigo o peso de uma culpa sem nome, mas que marca o rosto. Excelente Amador Arias, um dos atores não profissionais que fazem a matéria do filme, com uma presença silenciosa que faz de fio condutor de uma narrativa com a cadência da água da chuva. Mas por mais que chova, o fogo nunca se quer apagar: é como se o mundo tivesse a sua vontade, uma razão de ser que fica sempre por entender mas que se sente na pele.

É também a história de uma mãe e de um filho entregues a si mesmos, numa terra de bichos e de maquinas implacáveis. Era já uma das características mais trabalhadas do anterior “Mimosas”, faceta que Laxe aprimorou: poderosíssimo momento de abertura, aquele em que essas máquinas de ferro e aço derrubam uma floresta numa noite escura, iluminada pela luz da eletricidade. Do progresso? Ou uma luz que nada vê?

Dir-se-ia que esse lado mais poético do cinema de Laxe é também o seu maior travão: há sempre a sensação que o desenvolvimento narrativo não se encontra no mesmo patamar de um discurso cinematográfico impressionante. Se é verdade que nunca se chega a render em absoluto ao “espetáculo” da natureza – ou, se dito de outra forma,  das imagens “fáceis” – fica no ar impressão de que Laxe continua à procura do sentido para o seu próprio filme. Não é um problema, é mesmo uma das marcas do grande cinema.

Pontuação Geral
José Raposo
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
o-que-arde-retrato-de-um-homem-em-chamasSe é verdade que nunca se chega a render em absoluto ao “espetáculo” da natureza, fica no ar impressão de que Laxe continua à procura do sentido para o seu próprio filme. Não é um problema, é mesmo uma das marcas do grande cinema.