As comparações com o bestseller de William Golding – O Senhor das Moscas – são inevitáveis neste Monos, a terceira longa-metragem de Alejandro Landes que conta com admiradores de peso como Guillermo Del Toro, servindo de catapulta direta para a sua futura consagração. Aqui, a distopia desenvolvida entre a distorção e a limitação percetiva de crianças que tomam o lugar de adultos numa sociedade improvisada e hierarquizada, é uma referência, uma inspiração solene para o tratamento destes dedicados soldados que apenas existem pelo bem de uma causa e pela concretização da sua missão. 
 
De facto, Landes incute em toda esta realidade a sua estranheza, “brincando” com os códigos da mais do que adquirida “normalização” para metaforizar esse mundo acabado e inóspito no seio destes infantes. Como uma das estratégias dessa mesma confusão, o realizador contou com a jovem e expressiva Sofia Buenaventura numa personagem não-binária (analogicamente com a alcunha de “Rambo”) que protagonizará o centro de uma evasão ideológica provida das suas identidades emocionais. Não é através dos seus olhos que indiciaremos este cenário de militarização e ritualista, mas é por vias da sua personagem que entenderemos que o Paraíso está ameaçado pelo sua estrutura e não pelo “fogo inimigo”, e é por ela que torcemos como a acha de humanidade num guerra enfatizada como um mero jogo de crianças. 
 
Monos é a regressão ao primitivismo, à bestialidade nos propósitos milicianos e guerrilheiros, e ao bélico, fingido pelo incógnito do objetivo, tudo isto emaranhado num filme de longa vista que rasga o seu virtuosismo técnico como um apelo xamânico. Essa vertente vai ao encontro do que é habitual deparar no tropicalismo cinematográfico, espelhando o coração das trevas nas inacessíveis florestas tropicais. Apesar de tudo, ainda é cedo para chamarmos Landes como uma “nova voz” do cinema latino, mas com Monos a sua dedicação aos requisitos visuais (fotografia responsável de Jasper Wolf) e sonoros (a banda-sonora minimalista e artesanal de Mica Levi, que conta no seu currículo com algumas das mais fascinantes composições dos últimos anos como Under the Skin) resulta numa das grandes incursões atmosféricas do ano. 
 
Enquanto retrato social, Landes torna-se mais incisivo no seu abrupto final, contando com a dedicação de Buenaventura que se apercebe que o mundo apenas funciona sob a instrução de alguém, seja ele quem for. No fundo, todos nós somos soldados, crianças com a ideia de auto-governação, igualmente ignorantes perante a real cadeia global. 
Pontuação Geral
Hugo Gomes
Fernando Vasquez
Guilherme F. Alcobia
monos-o-berco-da-civilizacao-nao-e-mais-do-que-o-inconsequente-caosMonos é a regressão ao primitivismo, à bestialidade nos propósitos milicianos e guerrilheiros.