Um segundo filme de Edward Norton na realização, que em todo o seu percurso parece desmoronar, porém, o trabalho do ator em “segurá-lo” merece mais que somente o nosso desprezo.

Desconstruindo o filme noir sem nunca assumir-se como um derivado neo à equação, é inevitável não cairmos na comparação deste Os Órfão de Brooklyn com o cada vez mais citado L.A. Confidential, de Curtis Hanson. Ambos interpelam os elementos do subgénero consolidado de uma Hollywood que viveu as suas épocas de ouro (anos 30 e 40) nas vestes negras desse policial arraçado, mesmo quase geograficamente nas antípodas do berço americano (Los Angeles e Nova Iorque).

Voltando a esta adaptação do best-seller de Jonathan Lethem, Os Órfãos de Brooklyn joga-se na indústria como a segunda tentativa de Edward Norton, ator que ultimamente tem resistido ao esquecimento, envergando – 19 anos após Sedutora Tentação – a realização.

Esta “Big Apple” entristecida arrasta-se pela modernidade pós-Segunda Guerra, negando as batalhas interiores que merecem ser travadas, neste caso a ebulição racial. É aqui que conhecemos o invulgar Lionel Essrog, ou como “Freakshow” (como é mais conhecido entre os colegas), uma mente brilhante abalada pelo síndrome de Tourette que se manifesta sempre que se enerva. Após a trágica morte do seu “patrão” e companheiro, Frank Minna (Bruce Willis), baleado a sangue frio durante um “importante” caso, Lionel encarna parcialmente a sua identidade graças à posse do chapéu e gabardina Melvilleana do falecido, partindo para a investigação.

Em Edward Norton, que para além da realização assume o protagonismo, não identificamos traços de genialidade nem criatividade fora das nossas alas neste seu gesto; tudo amontoa-se como referência de um jogo jogado por outros e da compostura de objeto de requinte. Porém, não devemos abandonar o barco perante essa falta de ousadia ou progresso; no ator, que o grande público reconhece de Clube de Combate e América Proibida, encontramos um esforço hercúleo em erguer um produto algo antiquado, mas não conservador, garantindo um certo dialogo com o nosso tempo. Obviamente, nesse aspeto, a proeza é mais da novela do que propriamente da esquadria de Norton e do seu argumento, mas a sua vontade em costurar um autentico Frankenstein, com peças e peças sem lógica aparente, eletrifica e dá-lhe uma vida que torna Os Órfãos de Brooklyn num filme sob o encantamento da sua fragilidade.

A juntar a isso, o enfurecido jazz de Daniel Pemberton (com participação especial de Thom York) garante ao filme uma sensação de fervor, uma alusão à mente “desarrumada” de Lionel. Infelizmente, Edward Norton deposita nesta personagem demasiado de si, tornando os seus maneirismos em artificialidades. Aquilo que funcionava em papel, quase um exercício literário, é matéria quebradiça e de certa forma amputada, relembrando demasiadas vezes as “anomalias” do seu herói.

Contudo, temos um elenco secundário que empoleira-se para servir de apoio ao polivalente protagonista, solidificando o seu universo, atribuíndo a credibilidade a uma personagem demasiado marginal. Mesmo Alec Baldwin, novamente como político corrupto, é uma mais valia, esforçando-se para se evadir à imagem satírica a Donald Trump, que parece estar agora associada a si pelo grande público.

Os Órfãos de Brooklyn é um espécie de “geringonça” filmíca construida com amor por um dos protagonistas de Hollywood em eterno conflito com a sua afirmação. Possivelmente, merecerá uma segunda oportunidade nos próximos anos.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
motherless-brooklyn-os-orfaos-de-brooklyn-por-hugo-gomesAposta nossa: um filme que vai crescer no futuro.