Haley Bennett é uma dona de casa aparentemente com uma vida exemplar, um marido formidável e uma casa imaculadamente idealizada, mas dentro de si esconde uma compulsão, a de ingerir objetos tão diversificados que vão desde pedaços de terra, a berlindes, pioneses e por aí fora.
À medida que vamos descobrindo a sua compulsão, vamos também desfazendo a capa da sua existência, com o cineasta retirando peça a peça dessa suposta felicidade com elementos que a atormentam. Tal como em “Beleza Americana“, na verdade temos de olhar mais atentamente para destrinçar a imagem fetish de uma bela mulher e sentir aos seus traumas e o registo de alguém em verdadeiro cativeiro físico e psicológico.
Filmado com rigor e uma beleza estética tão plastificada como minimalista, como a própria minúscula vida solitária desta antiga empregada de balcão, Carlo Mirabella-Davis conduz o espectador a um ensaio extremamente desconfortável e difícil de se assistir, não apenas pela bizarra compulsão da mulher e das consequências dos seus atos mas acima de tudo pela forma claustrofóbica como a sua vida parece mapeada por todos ao seu redor, que a transformam num peão recluso num verdadeiro calvário psicológico.
Há tiques de Alfred Hitchcock por aqui, não só na exploração dos comportamentos compulsivos, mas na crescente intensificação da tensão em torno do que pode acontecer à nossa figura central ambígua, não apenas por ação dos ditos elementos externos que a controlam pela calada, mas principalmente pelo mal que ela mesmo pode fazer ao seu corpo.
Nisto, “Swallow” acaba por ser um filme tão perturbante como eficaz, um exemplo de como o cinema americano consegue ainda abanar com as convenções, ser extremamente atmosférico, tocando em temas relevantes – como o feminismo e a masculinidade tóxica – sem soar a aproveitamento capitalista.
Em suma, um bom e perturbante filme que tem a garra, força e engenho que faltam maioritariamente às obras mainstream esquematizadas vindas deste território.
[Crítica originalmente escrita em setembro de 2019]
