O feito é histórico: há 14 anos que um filme português não pisava o palco de Veneza em competição. Tiago Guedes, que ainda este ano entregou obra no IndieLisboa com Tristeza e Alegria na Vida das Girafas (com estreia marcada para 21 de novembro), “sucede” assim a Manoel de Oliveira e João Botelho (que entraram em 2005 na competição pelo Leão de Ouro com Espelho Mágico e O Fatalista respetivamente). O filme chama-se A Herdade, e depois de Veneza e Toronto, foi anunciado como o candidato português aos Oscar.

Podemos dizer que foi uma escolha acertada, dado que esta encomenda produzida por Paulo Branco cheira a épico à moda antiga, pisca o olho quer ao cinema produzido em tempos em Hollywood, quer ao cinema de autor europeu (por outras palavras, ecoando quer Giant de George Stevens quer O Leopardo de Visconti), sendo desta feita o tumulto social que serve de pano de fundo e de motor emocional a parte da narrativa a revolução dos cravos.

É obra pristina e pomposa, adequada à personagem fantasma que a permeia – este terreno que é testemunha de material digno de um romance de 600 páginas, ou não fosse até colocar uma reviravolta “queirosiana” clássica lá mais para o final… 

Em boa verdade, durante a primeira metade do filme, Guedes segura bem o melodrama, ao mesmo tempo que mostra como é exímio nas composições, que incluem planos sem corte aparente, e uma série de enquadramentos que acabam por mostrar algo mais do que se diz. Seria extremamente difícil pedir melhor tarefeiro. A situação muda quando a trama se desloca temporalmente para tempos mais modernos… aí sim, mudamos um pouco de filme – a própria produção começa a revelar imperfeições, na parca caracterização dos personagens secundários (ficamos nós a querer os genes de uma personagem em particular que não parece envelhecer pouco mais que uns dias em 18 anos); mas o mais gritante é mesmo o arrastar de uma situação novelesca que denuncia finalmente a duração longa da película, e que poderia funcionar melhor noutro formato que não um filme.

Ainda assim, mérito para o autor e restante equipa por esta produção nacional atípica, de grande investimento e consequentemente grande risco. Há um motivo pelo qual este tipo de cinema se encontra em vias de extinção – sobretudo com a ascenção de outros meios de visionar cinema – mas é bom saber que há quem lute contra esta extinção.

Dos atores, Albano Jerónimo e Sandra Faleiro são “as estrelas” enquanto proprietários e aguentam firmemente o barco, podendo o espectador fazer um jogo de bebida à volta do número de vezes que a personagem de Albano – João Fernandes, o patrão do sítio, defensor liberal até o seu orgulho machista sair amachucado – acende um cigarro (pensando bem, não queremos matar pessoas de coma alcóolico; esqueçam). 

A Herdade não atinge a perfeição formal que a sua pompa e circunstância prometem no marketing, mas cumpre o propósito. Será que à 36ª submissão teremos finalmente sorte? 

 

Pontuação Geral
André Gonçalves
Jorge Pereira
a-herdade-por-andre-goncalvesA Herdade não atinge a perfeição formal que a sua pompa e circunstância prometem no marketing, mas cumpre o propósito.