As problemáticas da colonização, da relação do homem-branco com o universo indígena, que não só reconfigurou geograficamente, mas também espiritualmente e identitariamente, têm sido uma presença constante no cinema de Luiz Bolognesi, que já em 2013 mostrava na animação “Rio 2096” um tributo aos caídos em batalha, aos heróis que não têm estátua, mas morreram a lutar contra aqueles que as têm nas praças das nossas cidades.

E o realizador e argumentista, também conhecido pela escrita de guiões de vários filmes de Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças; As Melhores Coisas do Mundo), e de “Elis” de Hugo Prata, regressa nesta “A Última Floresta” a essa temática indígena, isto depois de em 2018 ter saído da Berlinale com uma menção honrosa por “Ex-Pajé”.

Numa viagem profundamente de escuta e olhar contemplativo perante paisagens virgens estonteantes, onde os planos longos são frequentes e a iluminação exige-se natural, Luiz Bolognesi leva-nos ao mundo de um grupo Yanomami que habita e tenta manter a área intacta à ação dos garimpeiros e evangélicos, que frequentemente tentam invadir e explorar o seu território, situado a norte do Brasil e a sul da Venezuela. 

As conversas sobre as experiências, ancestralidade, interpretação dos sonhos e o confronto com invasores têm centenas de anos e vêm carregadas de problemas e conflitos, aqui abordados muitas vezes pelo líder tribal e xamã, Davi Kopenawa, que procura proteger as tradições da sua comunidade, onde muitos membros sentem a tentação de a deixar e partir para as cidades. “Nunca serás um deles ou visto como tal”, avisa-se a certo momento numa conversa entre os índios, os quais além de uma visão muito diferente sobre propriedade em relação às sociedades invasoras, partilham igualmente noções diferentes do tempo. “O tempo para eles é uma coisa aberta ao devir, enquanto nós estamos sempre organizando, planeando, dividindo em horas.”, disse-nos o cineasta, acrescentando que “a câmara busca o acontecimento sem ansiedade”.

Esta observação etnográfica cuidada, livre de pressões, e que viaja ao passado para falar do presente e encarar o futuro, que pode – no pior dos casos- levar ao extermínio da sétima maior etnia indígena brasileira, serve igualmente para mostrar os novos perigos que o governo de Bolsonaro representou para os Yanomami, que há décadas não sentiam tanta pressão dos garimpeiros a tentar entrar no território. Curiosamente, a tecnologia que os afronta também tem espaço e artifícios para os proteger, seja através dos rádios que permitem o contacto permanente entre aldeias, ou smartphones que servem como novas lanças para travar (e registar) as tentativas ilegais de invasão (que quer se queira, quer não, já aconteceu, nem que seja pela entrada de palavras como “garimpeiro” na linguagem da tribo).

Nesse aspecto, e como o realizador também nos contou, se em “Ex-Pajé” éramos confrontados com um xamã “destituído” da sua posição e força, em “Última Floresta” temos um outro, Davi, “que está no auge da sua luta e resistência“, sempre movendo-se entre ações físicas, de confronto direto com invasores, políticas, de visita e discussões aos órgãos de poder nacionais, e  filosóficas/teológicas, não só no diálogo permanente com os seus semelhantes, mas igualmente com o espectador que observa este registo fílmico de Bolognesi, sendo também ele invadido por uma necessidade urgente de reflexão sobre aqueles a quem dá democraticamente o poder.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
a-ultima-floresta-resistir-resistir-resistirSe em “Ex-Pajé” éramos confrontados com um xamã "destituído" da sua posição e força, em “Última Floresta” temos outro "no auge da sua luta e resistência"