Quem já fez mudanças na sua vida, sabe perfeitamente o peso psicológico que elas carregam, e que vai bem além da mera transposição de objetos de um lado para o outro, mas de uma verdadeira renovação e relocação de uma vida onde foram acumulados bens, experiências e relacionamentos.

Os irmãos Ramon Zürcher e Silvan Zürcher aproveitam-se disso e voltam a pegar no quotidiano para fazer dele um espetáculo, contorcendo-o dinamicamente entre a tragicomédia, o romance e o mistério neste “The Girl and The Spider“, o qual que se desenrola ao longo de um par de dias durante uma mudança de habitação.

E não são apenas objetos, mobiliário e pessoas que transitam de um lado para o outro em permanência quando Lisa (Liliane Amuat) sai do apartamento compartilhado com Mara (Henriette Confurius) para morar sozinha, mas igualmente sentimentos, que chegam até nós através de repressões e exposições, sempre com muitos olhares, palavras, toques e alegorias à mistura, como a dos PDFS, supostamente imutáveis, ou da aranha, que frequentemente nos visita e que e se posiciona no título desta obra, vencedora do prémio de Melhor Realização na secção Encounters do Festival de Berlim. 

Sonho e realidade também se cruzam numa mise-en-scène meticulosamente construída com um enorme sentido para o detalhe por parte dos cineastas, os quais partem da mudança de Lisa para nos mostrar as implicações dela num conjunto de personagens, onde se destaca Mara, que nunca abandona uma atitude cética, cínica e crítica as todas estas transformações.

The Girl and The Spider“ é um filme profundamente atmosférico, sensorial e carregado de libido que captura perfeitamente um estado de transição e renovação, sempre com um toque de surrealismo ao serviço do hiper real, e onde as ambiguidades e sentidos duplos proliferam, já que à forma minimalista da decoração e do espaço responde-se com a complexidade dos relacionamentos, aqui particularmente impactados por uma noite que serve de ritual de passagem e que irá criar um novo dia carregado de tensões, descobertas e cortes. 

É que se as peças e mobiliário são carregadas de um lado para o outro com relativa facilidade durante as nossas vidas, ou até mesmo substituídas por outras, tal qual uma aranha reconstrói a sua teia, o mesmo não acontece com os sentimentos e relacionamentos, também eles em permanente mutação, mas com muito maior atrito e turbulência. E na construção dessa nova teia, novas figuras ficarão lá retidas, até que repetidamente recomecemos novamente o processo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
the-girl-and-the-spider-o-espetaculo-do-quotidiano“The The Girl and The Spider“ é um filme profundamente atmosférico, sensorial e carregado de libido que captura perfeitamente um estado de transição e renovação