Muito antes das plataformas de streaming reinarem, projetos televisivos orientados para um público juvenil e para jovens adultos fizeram sucesso em todo o mundo, tratando dos mais variados temas – drogas, crime, identidade, etc – no meio de registos quotidianos do dia a dia de miúdos, ora no liceu, ora na faculdade. No fundo, foram fábricas de produção de ídolos, formas de entretenimento ligeiro que de modo simplório tratavam de temas sérios com várias camadas pop embutidas, onde não faltava também muita música, algumas bandas também elas a dar os primeiros passos, um sentido “fashionable” e muito product placement.

Começamos esta crítica por falar dessas séries, que explodiram principalmente depois de “Beverly Hills 92210“, e cujo conceito foi adaptado às realidades de cada país, com visíveis limitações orçamentais e criativas (“Riscos”, “Morangos com Açúcar”), para dizer que em espírito elas têm aqui em “Je Suis Karl” uma descendência robusta, o que numa era de entretenimento em todo o lado significa que estamos perante um objeto com bons meios de produção, mas tão simples e adolescente que a mensagem que pretende passar apenas nos aliena de um problema sério que a Europa está a viver: o regresso da extrema direita com a capa populista de anti-sistema.

Je Suis Karl” até começa bem, com uma câmara tremida de um telemóvel a mostrar um casal a ir em encontro com um imigrante, sendo seguida por uma sequência onde uma bomba na casa do mesmo par deflagra, levando Berlim e os sobreviventes do atentado a um estado de caos e lágrimas. 

Esse ato terrorista – o nome do filme é uma referência ao Je Suis Charlie, depois do massacre na redação do Charlie Hebdo – é atribuído ao terrorismo islâmico, mas a verdade é que quem o perpetrou foi Karl (não o Marx), um jovem com pensamentos reaccionários que está a ganhar atenção junto do público pelas suas propostas que vão contra ao sistema. No fundo, voltamos à cultura do medo, à islamofobia e outras particularidades que servem de rampa de lançamento para o homem e os seus seguidores ganharem protagonismo na sociedade e na política.

Até aqui tudo bem, mas o problema é que sabemos cedo demais quem foi o autor do atentado, os seus planos e atitudes sociopatas, e partimos então para uma espécie de um filme juvenil sobre um “culto” em que cada vez mais pessoas aderem ao paleio do novo messias de uma nova ordem pretendida.

No meio desses novos seguidores está Maxi, uma jovem cuja mãe morreu no atentado, e que apesar dos seus pais defenderem ideias de esquerda, opta pela extrema direita, não tanto por uma verdadeira ideologia, mas seguindo “uma moda” e uma paixoneta por Karl. Sim, o fascismo é uma “moda” aqui, “uma trend” que atrai jovens à procura de serem celebridades, quais rockstars com groupies, quais influencers com seguidores, e que vendem a sua mensagem através de todos os elementos pop do mercado, sejam letras de música, seja via redes sociais, vídeos virais, selfies, e por aí fora.

Nisto, para além de um tom didático e político extremamente simplificado e até criança, existem ainda os tais traços de romantismo plastificados, de thriller previsível, de músicas metidas à força para tapar as carências narrativas, e onde o charme e carisma dos atores principais está ligado à sua aparência, e não às suas capacidades dramáticas.

Na verdade, tudo por aqui é aparência, sentindo-se especialmente falta de uma transformação tão orgânica como visceral e adulta, que filmes como “A Onda” ou “A Experiência” produziam nas suas personagens em transição.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
je-suis-karl-fascismo-fashionTudo por aqui é aparência, sentindo-se especialmente falta de uma transformação orgânica, visceral e adulta