Mau comportamento na vida pessoal de realizadores nunca foi garantia de transgressão nos ecrãs, da mesma maneira como boas intenções não são uma certeza de bons filmes, como fica explícito em “Mr Bachmann and His Class”, cuja conquista do Prémio do Júri, no fecho desta Berlinale, foi um dos equívocos de um júri que desprezou os filmes sentimentais.

Injustificáveis, os 215 minutos deste massacrante ritual de “quero ser Frederick Wiseman”, que só ganham algum sentido sob uma perspetiva ética e sob uma certa proficiência técnica: há, nele, matéria para as universidades de Pedagogia deleitarem-se por anos a fio. A comparação com Wiseman está no dispositivo “mosca na parede”, ou seja, tal qual faz o mestre americano por trás de “City Hall” (2020) e outras pérolas, a cineasta alemã Maria Speth (de “Madonnas”) basicamente põe-se a ver, a ouvir e a registar o que se passa numa sala de aula. E, em termos geopolíticos, ou mesmo pedagógicos, ocorre muita coisa, uma vez que o objeto de estudo desta longa-metragem é um professor especializado em integrar estudantes de culturas distintas.

Ele sabe que não se diz “O Ivo viu a uva” para os alunos que nunca tiveram condições de comprar uma uva sem uma prévia contextualização de conflitos de classe. Ele sabe como apagar a pólvora contida nos barris de ódio de Europa xenófoba. E, por isso mesmo, seria um filme ideal para um Prémio do Júri Ecuménico ou mesmo para a Amnistia Internacional. Mas frente a produções de alta voltagem poética como “Memory Box”, “Next Door” ou “Petite Maman” – três jóias que os jurados de Berlim ignoraram, no seu palmarês -, a imersão de Maria no universo escolar do professor Bachmann carece de ambição no uso da linguagem cinematográfica. No uso ferramental dos códigos do audiovisual, o filme só demonstra alguma sofisticação na sua engenharia de som. E só, pois seu enquadramento é o que de mais corriqueiro em programações educativas de TVs ligadas ao jugo estatal.

Não se trata de um “A Turma” (2008), a possante Palma de Ouro de Laurent Cantet, que problematizava, na imagem, a fronteira entre vivência e encenação. Aqui, os feitos do educador Bachmann parecem ser suficientes para satisfazer a câmara de Maria, que nem sequer radiografa as problemáticas populacionais de Stadtallendorf, região da Alemanha com uma história complexa de exclusão e integração de estrangeiros. Lá, diferenças amontam-se mesmo num grupo de pessoas entre 12 e 14 anos. O que o professor Dieter Bachmann executa é fazer os seus alunos sentirem-se como se estivessem em casa. Eles vêm de doze nações diferentes; alguns ainda não dominaram bem a língua alemã. Mas Bachmann tem lá um Esperanto capaz de dar a todos o direito de falar, de se expressar na amplitude das suas subjetividades, de ser criança ou de almejar ser um adulto. Há nele o devir heróico de todos os mestres: a sua especificidade está no seu método de citar ACDC e um toque dissonante de guitarra para despertar o interesse de quem não está interessado nos rudimentos do ensino fundamental ou médio.

À beira da reforma, Bachmann está ansioso por inspirar nesses cidadãos em formação um sentimento de curiosidade por um vasto leque de ofícios, assuntos, culturas e opiniões. E seu empenho em continuar é louvável. Mas o filme que foi feito desse empenho não consegue aquilo que a sua “personagem” esbanja: singularidade. Valeu pela intenção.

[Texto escrito em março de 2021]

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
Jorge Pereira
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