Regressando ao seu ambiente “natural”, o documentário, que também não se cansa de transportar para os seus registos de ficção, como o recente e bem sucedido junto da crítica “Martin Eden” provou, onde adaptava o romance de Jack London para Itália, Pietro Marcello entrega neste “Per Lucio” uma obra cheia amor, ternura e poesia, mas também muita dor, em torno do cantor e compositor Lucio Dalla, falecido em 2012.

E falar de Dalla é falar igualmente de Bolonha, de uma era de transição no registo dos cantautores, onde a palavra ganhava maior significado que a aparência, mas também da Itália e da sua história pós-guerra (70 anos de História), repleta de alegrias, como a concretização do Grande Prémio de San Remo, e profundas tristezas, como o “Massacre de Bolonha”, um atentado terrorista atribuído à organização terrorista neofascista Nuclei Armati Rivoluzionari, na Estação Central em Bolonha, Itália, na manhã de sábado, 2 de agosto de 1980, que matou 85 pessoas e feriu mais de 200. 

Ambos os momentos são exibidos neste documentário constituído essencialmente por imagens de arquivo rearranjadas e montadas como só Marcello o faz (“Às vezes sinto-me mais um arquivista que realizador“, disse-o), e testemunhos do dedicado empresário Dalla, Tobia (Umberto Righi), e do amigo de infância do cantor, o filósofo Stefano Bonaga, o único que Tobia aceita que pode conhecer melhor o cantor do que ele. A dupla senta-se à mesa de um restaurante em amena cavaqueira a contar histórias e anedotas da vida e a descrever alguns adjetivos que caracterizavam Dalla, que vão desde o talentoso e honesto, mas também vaidoso, principalmente à medida que foi envelhecendo.

Um dos momentos mais hilariantes das imagens de Dalla repescadas do passado por Marcello é mesmo uma das primeiras aparições da sua carreira num programa de televisão, onde confronta a própria mãe que se queixava ao apresentador do filho ter barba. Momentos de descontracção como estes são frequentes, mas também estão outros mais sofridos e de dimensão mais tensa, como quando mostra-se os trabalhadores da Fiat em suspense quando a empresa foi vendida à Líbia, liderada por Gaddafi, com potenciais perda de empregos à vista.

A chamada de Dalla como convidado para uma conversa televisiva de cariz político, onde troca galhardetes com Bettino Craxi sobre o posicionamento de mísseis na Europa, durante a Guerra Fria, dá ainda uma maior dimensão à figura do cantor, que os amigos dizem ser muito mais amado agora que está morto, do que quando era vivo.

E claro que no meio disto tudo, tratando-se do objeto do documentário ser um músico, não faltam os temas de Dalla, que Pietro Marcello confessa saber de cor. Todos eles são acompanhados de imagens que evocam as suas letras, muitas das quais escritas por Roberto Roversi, poeta, escritor e jornalista bolonhês, grande amigo do cantor, e que serviu de mentor.

No final de qualquer trabalho de índole biográfica e musical reina sempre a sensação que falta algo para dizer,  quer sobre a sua vida, quer sobre a sua música, mas Pietro Marcello consegue certamente um feito nesta sentida homenagem a Dalla, com o dom de chegar a todos os que o rodearam em vida, e à cidade que o viu crescer.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
per-lucio-doce-homenagem-de-pietro-marcello-estende-se-alem-de-lucio-dallaFalar de Dalla é falar igualmente de Bolonha, mas também da Itália e da sua história pós-guerra