Podem chamar-lhe provocadora e até arrojada pela forma aberta como retrata o sexo nos seus filmes, mas a verdade é que para a israelita Hadas Ben Aroya, a carnalidade e a descoberta são elementos naturais que não devem ser postos em causa no quotidiano, e não são certamente o que de mais íntimo há para mostrar no cinema que faz.

A sua segunda obra, “All Eyes Off Me(Alguém Vai Amar Alguém), sem qualquer ligação ao famoso álbum de 2Pac (“All Eyez on Me“), presente na secção Panorama da Berlinale, apresenta uma voz jovial que merece ser ouvida e que já conquistou há 4 anos o Festival de Mar Del Plata com “People that are not me”.

E é uma voz que merece ser ouvida, mesmo que ainda esteja a tentar entender o que deve dizer. Na verdade, não há certezas, apenas dúvidas, desejos de experimentação e descoberta nos jovens [de Tel Aviv] que aparecem nas três fases representadas em igual número de tomos desta longa-metragem, a qual se foca no ato mais íntimo que podemos ter perante os outros: o expor fragilidades. 

O foco é Avishag, que no primeiro segmento é apenas periférica à ação. Estamos numa festa e seguimos literalmente os passos de Danny, que procura por Max para lhe dizer que está grávida. Mas Max está acompanhado na festa com Avishag, contando mesmo a Danny os planos que tem para o futuro com a rapariga “com quem está agora”. A realizadora aplica uma estética distinta para cada um dos seus segmentos conectados, e neste acompanha a festa de câmara na mão, numa tentativa de um tracking shot, seguindo Danny num ambiente festivo de jovens, certamente em momentos pré-Covid (é interessante como a vermos as festas do passado, nos damos conta do mundo que atualmente vivemos). A sequência termina com Danny sentada numa casa de banho num ato de profundo isolamento e reclusão perante os outros que se divertem.

Passamos então para um novo segmento, onde o ato de descobrir a pessoa com quem iniciámos uma relação passa certamente pela experimentação sexual, aqui retratada de forma elegante, mesmo que recorra a momentos de algum grafismo e exposição. Neste ponto, a cineasta opta por dar maior tranquilidade à câmara, observando o casal de forma fixa, ora lateralmente, ora atrás, culminando com um plano plongê absoluto, onde observamos o casal e o esperma ainda quente posiciona-se sobre a pele desnudada da protagonista que acaba de descobrir que entre a fantasia e realidade existem pontos de separação na concretização do prazer.

Este momento de experimentação e de exposição de fragilidades entre um recente casal, mostra ainda uma juventude e sociedade pós-MeToo a tentar encontrar um equilíbrio e cooperação na forma como aborda o seu desejo sexual, redefinindo em conjunto uma questão que normalmente é reduzida a um ato entre dominador e dominado. 

Passamos então para o momento final, onde Avisha – ainda com marcas visíveis da experiência sexual anterior – trabalha para um homem bem mais velho e solitário, a tratar do seu cão. Progressivamente, a jovem vai ocupando a casa do homem, usando os seus utensílios, vivendo instantaneamente aquela vida, tudo novamente num ato de experimentação e autodescoberta. Este é facilmente o segmento mais poético e sorumbático, onde mais uma vez fantasia, desejo, prazer e felicidade não têm a ligação direta a que estamos acostumados a observar no cinema.

No final, e com três volumes que apresentam questões similares, mas abordagens estéticas diferentes, podiam surgir problemas de equilíbrio na obra como um todo, mas Hadas Ben Aroya consegue balançar bem o seu filme através da demonstração de grande ternura perante as personagens e as suas vulnerabilidades.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
all-eyes-off-me-expor-fragilidades-o-ato-mais-intimoHadas Ben Aroya consegue balançar bem o seu filme através da demonstração de grande ternura perante as personagens e as suas vulnerabilidades