Há um magnetismo inexplicável em toda a rugosidade pastiche da narrativa e estética de “The Scary of Sixty-First”, primeira longa-metragem de Dasha Nekrasova, uma atriz e podcaster que invadiu o Festival de Cinema de Berlim com um dos objetos de género mais bizarros da secção Encounters.

Talvez essa estranha capacidade de atração seja sobrenatural, demoníaca até, dada a temática que esta produção de baixo orçamento sequestra (sim, é esse o termo), mas é através do charme dos thrillers psicossexuais dos anos 70, um atropelo sensorial giallo, uma homenagem a “Eyes Wide Shut“, e toda a contemporaneidade das teorias da conspiração e o escândalo, detenção e morte de Jeffrey Epstein, que o filme agarra-se à nossa pele e mente, tal qual uma possessão que se recusa em partir. 

E por falar nisso, há também algo de Friedkin e muito de Polanski por aqui, qual “Semente do mal” que invade e contamina um apartamento e os seus inquilinos, mas existe igualmente o espírito eletrizante de uma realizadora que conhece os códigos e a história do cinema, nem que seja pela arte no decalcar mestres com experiência e sucesso no tétrico. E em todo este processo, Nekrasova nunca tenta ser levada muito a sério, regendo-se pelas marcas da sátira macabra banhada a doses fartas de sangue, e preenchida por uma banda-sonora tão esmagadora e envolvente como os relatos mirabolantes das conspirações QAnon e Pizzagate.

Tudo começa com duas jovens a alugar um apartamento que mais tarde vão descobrir que fez parte do rol de espaços de perversão de Jeffrey Epstein para prostituição de jovens em tenra idade. Qual maldição, qual quê, numa Nova Iorque empestada pelo peso dos seus crimes e cheiro da sua estranha morte numa cadeia, que as novas habitantes começam a ficar possuídas e obcecadas com o caso, com uma cena – em que uma delas é “possuída” por o espírito de uma miúda de 13 anos enquanto tem sexo com o namorado – a ganhar os contornos do mais grotesco jogo da sugestão que se viu na Berlinale.

Espetáculo artificial e sintético, arrojado em todas as direções, onde até os silêncios deixam-nos em alerta, “The Scary of Sixty-First” tem todos os elementos e capacidades para não sair da mente do espectador por uns tempos, nem que seja por pura e simplesmente o odiarem pela assumida imperfeição. Porém, por aqui, está alguém para a abraçar em toda na sua pretensão e estilo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Rodrigo Fonseca
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