Após a colaboração num par de curtas, a realizadora grega Jacqueline Lentzou e a atriz Sofia Kokkali reencontram-se neste “Moon, 66 questions” (Perguntem à Lua), uma primeira longa-metragem onde o conceito de coming-of-age é circunscrito ao ambiente familiar, narrando a interação entre uma filha e um pai, onde o dever, a responsabilidade e o ser jovem na idade da suposta inconsciência são colocados em confrontação permanente.

Numa das cenas mais marcantes deste “Moon, 66 Questions”, presente na secção Encounters do Festival de Berlim, a jovem Artemis embate com tanta violência como displicência contra uma das paredes da sua garagem. Esse choque bem pode refletir o muro que a separa em relação a Paris, o pai, de que notoriamente se encontra distante e não conhece e que está agora marcado por uma doença degenerativa extremamente incapacitante que provavelmente a vai impedir de alguma vez conhecer com a profundidade necessária para criar laços de verdadeira empatia e conexão.

Entregue à tarefa de cuidar do pai, partindo da cidade para o meio do nada [para esse efeito], os dias vão passando entre momentos de interação limitada a atos de prestação de cuidados, visitas esporádicas familiares, e raras de amigos, e os de muita solidão e isolamento, onde entregue a si mesmo só lhe resta ouvir música, dançar, dialogar com o vazio e movimentar-se em atos de autodescoberta sensorial, cuja finalidade tem sempre o mesmo destino: encontrar um ponto de contacto com o seu progenitor, uma brecha que a permita entrar novamente numa relação com ele que há muito se degenerou. Assim, e ainda recorrendo a pequenas vinhetas marcadas por cartas de tarot e subtis alegorias com as fases da lua e princípios astrológicos, com base em pontos de contactos tão raros entre os astros como os desta filha e pai, Artemis vai progressivamente tentando se manter em pé numa caminhada marcada por várias degenerações: a física que incapacita o seu pai, e a emocional que a impede de se ligar a ele. 

Destaque para o tratamento estético e utilização frequente de luzes artificiais carregadas que tentam iluminar a reclusão claustrofóbica de ambas as personagens (e que progressivamente vão diminuindo), o recurso a arquivos VHS com pistas sobre o passado, algumas colagens e frequentes close-ups a elementos de diferentes formas e texturas, que contribuem assim para uma construção visual de permanente movimentação e transformação, que permitem exprimir na atmosfera do filme e turbilhão de sensações e sentimentos contidos e reprimidos que vão percorrendo a protagonista ao longo de vários momentos de um verão.

No final, temos assim uma primeira longa-metragem que coloca Jacqueline Lentzou nos novos nomes do cinema grego que valerá a pena seguir no futuro com um olhar preciso e dedicado.

[Crítica originalmente escrita em março 2021]

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Rodrigo Fonseca
moon-66-questions-a-culpa-nao-e-das-estrelasUma interessante primeira longa-metragem que coloca Jacqueline Lentzou nos novos nomes do cinema grego que valerá a pena seguir no futuro com um olhar preciso e dedicado.