Ninguém diria que a história de amor entre Asli e Saeed iria terminar com um embate com tal violência que, não só fez ruir uma relação construída nas bases do amor e confiança ao longo de anos, como também mudou o mundo até hoje.

Ela de origem turca, ele libanês. Viram-se pela primeira vez num parque de diversões, conheceram-se mais veemente num convívio com colegas da faculdade, e acabaram por ter o seu primeiro beijo carregado com o sal das ondas do mar. A partir desse instante, nunca mais se largaram, mantendo uma relação repleta de paixão e ternura que era celebrada pela família do rapaz, mas omitida perante a mãe da rapariga. Estando na Alemanha, em segredo casaram, mas progressivamente as coisas começam a mudar, até ao ponto que Saeed desaparece, retorna, e volta a desaparecer, deixando pelo caminho uma série de respostas óbvias que a cineasta mantém-se intransigente em omitir do espectador, tal como o homem o fez em relação à sua esposa.

É extremamente curioso, criterioso e preciso o foco e ponto de vista que a realizadora germânica imprime na sua protagonista feminina, que em qualquer obra de caráter mais comercial, imaginemos norte-americana, iria passar certamente como uma personagem secundária embutida numa narrativa em função do seu marido. Nesse aspeto, e tal como as feministas francesas dedicaram e colocaram flores nos anos 70 à mulher do soldado desconhecido, ou como Xavier Beauvois o fez no seu “As Guardiãs”, Berrached prefere ocupar-se da figura da mulher para contar uma história a dois que vai ter mais impacto a nível global que a mulher alguma vez imaginou.

E fá-lo, imaginativamente, separando o filme em vinhetas temporais, cada qual com as suas marcas estéticas e tom particulares, criando um ambiente de permanente suspeição e mistério até bem perto do desenlace, dando tempo às suas personagens de mostrarem as suas incoerências e ambivalências.

Mas Anne Zohra Berrached não se fixa apenas pelo retrato interior dessas personagens, emoções, dilemas e suspeições, mas conscientemente traça em paralelo um retrato histórico rodeado de incógnitas que permanecem até hoje. E nesse processo, tanto conta com o que mostra no grande ecrã, como com o que não mostra, compondo um quadro aberto à sugestão, mas que nunca sai da esfera do nascimento de uma relação baseada na paixão e que culmina após um perfeito ato de ódio. Mas não, isto não é um “Marriage Story“.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
copilot-a-esposa-turcaUma boa surpresa cuja magia provavelmente será arruinada pelo falatório e divulgação de detalhes do enredo após a sua estreia.