Múltiplas vezes, Hong Sang-soo declarou que os títulos dos seus filmes não têm encaixe instantâneo com o conteúdo plástico que representam, o que amplia ainda mais as progressões aritméticas simbólicas da sua semiótica audiovisual. Pouco importa que o seu recente “Inteurodeoksyeon” (“Introduction”), em exibição na 71ª Berlinale, chame-se assim pelo facto de uma mulher apresentar um importante artista ao filho que nele inspirou-se para seguir a carreira de ator. O que importa mesmo são os vários significados que aquele significante pode adquirir numa semiologia de relações que o mestre sul-coreano faz como nenhum outro cineasta na contemporaneidade.

Por vezes, adora-se odiar Sang-soo pela (aparente) simplicidade da sua aeróbica de zooms em narrativas calcadas em encontros, bebedeiras, comilanços e divagações sobre as angústias da vida. Neste caso, entre pausas para um cigarrinho aqui e ali. Mas essa metodologia, que se reitera filme a filme pelo realizador de “Hahaha” (vencedor da Um Certain Regard, em Cannes, em 2010) vai decantando da saliva alheia as ansiedades que fazem do viver uma aventura, por vezes, um perigo.

É o que vemos na figura de um velho ator (Ki Joo-Bong) que diz a um par de jovens para beberem soju (bebida local) com moderação, como se o dissesse a si mesmo, como se visse a sua própria juventude, com todas as suas incongruências ali, numa garrafa.

O que move as longas-metragens de Sangsoo não são o que a teoria dramática (sobretudo na ótica de David Bordwell) chama de “intriga de predestinação”, ou seja, a “missão por trás de uma jornada”, mas sim um simples incidente incitante, uma fagulha, ou o que na poesia é descrito como “mote”. O “mote” aqui é a ida de um rapaz à capital alemã (onde Sang-soo esteve em 2020, em fevereiro, saindo de lá com o Urso de Prata de melhor realização por “A Mulher Que Fugiu”), para visitar a mulher por quem está apaixonado.

Nem todas as conversas de “Inteurodeoksyeon” serão sobre isso. Num realizador como Sang-soo, nunca seria assim, pois a vetorialidade de possibilidades (daí a menção às progressões da aritmética, mais acima) nunca é modulada por um tema. É o caso de uma conversa sob a névoa fria, em que as mulheres dizem banalidades até uma delas dizer: “És muito bonita”. São sensações e perceções que surgem de um simples esbarrar entre pessoas, da tão “Introdução” (tão rica) do título, da surpresa do primeiro olhar.

No preto e branco sem gradações de um filme a solo (Sang-soo faz tudo: roteiro, fotografia, realização, montagem), o que vai além do impressionismo são as cicatrizes da vivência, que se expressam na preocupação de uma mãe com o futuro do filho, nas suas escolhas amorosas e na afetividade de uma estrela da atuação já na maturidade da vida com as decisões de um rapaz que vê nele um modelo.

São esses os primeiros frutos que a “árvore Sang-soo” já ofereceu à Berlinale. Mas dos seus ramos vão brotar novas colheitas nos dias que se seguem. É sempre assim. É o que faz o seu cinema de autor ser tão discutido e necessário. Até porque nele há espaço para “o menos que mostra-se mais”, um olhar para “o singelo”.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
Jorge Pereira
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