Por alguma razão eles foram presos”, dizem os cínicos sedentos de vingança imediata contra alguém, mesmo que contra esse arguido as únicas provas que existam sejam completamente circunstanciais ou especulativas, muitas vezes adornadas por informação entregue como entretenimento de registo tablóide.

No pós 11 de setembro de 2001, os EUA comportaram-se como uma figura infantil maldosa, sedenta de raiva e totalmente cega na busca pelos responsáveis pela queda das torres gémeas em Nova Iorque, naquele que foi o primeiro ataque em solo americano desde Pearl Harbour, e que provocou cerca de 3 mil mortos. 

Os mesmos regimes que os EUA ajudaram a criar e a ganhar força como parceiros na luta contra a URSS e Irão, o Afeganistão e Iraque, tornaram-se alvos imediatos e um pouco por todo o lado começou uma perseguição, onde os fins justificavam os meios, à la Jack Bauer, a Osama Bin Laden, coisa que só terminaria dez anos depois. 

A prisão de Guantánamo tornou-se um símbolo de atrocidades no novo milénio, onde dos 800 detidos apenas 8 foram realmente condenados por um crime. A grande maioria nunca foi objeto de qualquer acusação, mas permaneceram mais de uma década por lá, constando ainda no ano passado, segundo a Amnistia Internacional, cerca de 40 pessoas detidas, todas elas muçulmanas. 

Diz-se que a justiça é cega, mas o que o cineasta escocês Kevin Macdonald procura mostrar neste seu filme – além do caso particular do mauritano Mohamedou Ould Slahi – é que o poder político e militar do país que vende os maiores índices planetários da “Moral High Ground” sobrepôs-se à democracia, suspendendo-a cirurgicamente, enquanto, simultaneamente – como sabemos – continuou a dar lições ao mundo sobre a eficácia e infalibilidade do seu regime.

Detido no campo de detenção de Guantánamo Bay sem acusação, de 2002 até à sua libertação em 17 de outubro de 2016, Mohamedou Ould Slahi é um desses casos. Declarando-se culpado após anos e anos de interrogatórios, privação do sono, humilhações sexuais e tortura, este mauritano que nos anos 90 juntou-se aos mujahidin (apoiados pelos EUA) no Afeganistão contra o governo central comunista, tornou-se uma presa óbvia – pelos contactos que fez ao longo da vida – logo após o 11 de setembro de 2001.

Detido, transportado e torturado entre a Jordânia, o Afeganistão e finalmente a baía de Guantánamo, permaneceu anos e anos sem acusação formal e só quando a advogada de causas humanitárias Nancy Hollander assumiu a sua defesa, começou-se a rever um processo que começou a ganhar forma com George W. Bush no poder, mas que permaneceu com Barack Obama, essa figura endeusada pelos amantes da liberdade, mas que contribuiu com quase tantos pregos para o caixão da democracia como o seu antecessor.

Realizador de obras vincadamente políticas e históricas como “O Último Rei da Escócia”, Kevin Macdonald pega em todo este material e centra-se nos procedimentos arquitetados por Nancy Hollander para libertar o seu cliente, mostrando superfluamente e num registo pastiche a história da detenção do “Mauritano”, os conflitos entre poderes políticos e judiciais, e naturalmente o ostracismo para quem advoga a favor de um “terrorista”.

Tahar Rahim – que brilhou no cinema em “Um Profeta” de Jacques Audiard – assume o papel de Mohamedou com vigor, carisma e emoção, mas nem ele, nem Jodie Foster, que aqui interpreta a sua advogada, conseguem soltar-se e entregar algo além do óbvio que o guião repleto de lugares comuns lhes fornece. O mesmo se passa com diversos secundários, demasiado pobres na sua construção, embora ricos nas capacidades dramáticas de quem os interpreta (Shailene Woodley, Benedict Cumberbatch).

Para contrariar isto, Macdonald ainda tenta, com ajuda do diretor de fotografia e o montador, dar uma dinâmica não linear, viajando entre os diferentes tempos dos eventos, mantendo preso o espectador, mas uma banda-sonora do mais genérica e sentimental possível, e personagens esbatidas numa história derivativa que nunca vai além do que já foi escrito sobre o assunto, não conseguem elevar este filme para além de uma construção mediana para a época de prémios e com claras ambições comerciais.

Fica, porém, na retina a pequena pérola que em Guantanamo podia-se torturar seres humanos, mas não capturar ou matar iguanas, estando os prevaricadores sujeitos a grandes coimas. Mas isto é apenas um detalhe num filme que acima de tudo é extremamente vulgar e simétrico no universo dos filmes sobre a justiça.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
o-mauritano-jodie-foster-e-tahar-rahim-sao-o-melhor-num-filme-que-nunca-vai-alem-do-obvioPersonagens esbatidas numa história derivativa que nunca vai além do que já foi escrito sobre o assunto