O Novo Cinema Romeno já não é assim tão novo, mas continua a mostrar vitalidade, renovação e um olhar clínico sobre a realidade e os tempos modernos para construir narrativas reflexivas e repletas de tensão.

Todos nos lembramos do calvário do Sr. Lazarescu pelo meio das emergências médicas de uma Roménia ainda a juntar os pedaços da sua transição política, e embora aqui estejamos num registo temático completamente diferente, o que nos chega vindo do ecrã faz-nos questionar sobre o ser humano, as suas lutas internas e a capacidade que este tem em camuflar-se numa sociedade que não nos aceita como somos.

As bases por aqui são claras. Cristi (Conrad Mericoffer) é um policia de intervenção, homossexual, que repele a sua sexualidade fora das quatros paredes do seu lar, e que é chamado – com os colegas – para intervir num cinema que durante a exibição de um filme LGBT é invadido por fanáticos religiosos que travam a projeção. É já no meio do caos que Cristan vai encontrar um antigo engate. Negando que o conhece, acaba por agredi-lo. O “circo” está montado e Cristan terá que escapar ileso a uma eventual divulgação do seu segredo, enquanto em casa o seu namorado o espera.

Primeira longa-metragem de Eugen Jebeleanu,”Poppy Field” é inspirado na exibição nos cinemas romenos do premiado drama de Ivana Mladenovic “Soldiers. A Story from Ferentari“, que foi interrompido devido a protestos. Poucos dias antes, a exibição do filme dramático francês “120 Beats per Minute” foi interrompida no mesmo cinema por motivos religiosos, alegando que os filmes LGBT são o exemplo absoluto de depravação.

Os primeiros momentos de “Poppy Field” levam-nos para um sítio bastante distante do caos. Cristi recebe apaixonadamente  o seu namorado em casa. Quando a sua irmã chega inesperadamente, começamos a sentir as reticências deste homem em explanar a sua sexualidade, entrando em atrito com a mulher. Depois disso entramos pelo campo da completa repressão à divulgação da sua sexualidade já em ambiente policial, particularmente na sala de espetáculos, onde a qualquer momento o homem arrisca a ser exposto. Stress, angústia, ansiedade, apreensão e inquietação são as palavras chaves de toda esta obra, que se transporta principalmente entre diálogos do início ao fim, carburados por um ato de agressão que poderá – não só expor o polícia – criar sérios problemas às forças da lei como um bloco, colocando o cineasta um frenesim permanente em cena, mesmo que estejamos fechados e quietos numa sala de cinema totalmente vazia. E isso acontece porque fora dessa sala, no hall de entrada do cinema, conflitos e discussões entre religiosos, ativistas e policias permanecem durante todo o tempo num ambiente explosivo, embora o espectador não tenha acesso a elas a partir de certo momento. Assim, tal como o nosso agressor, não sabemos o que pode vir de fora, ou o que pode acontecer na sala de cinema, já que as conversas de Cristi com os colegas sucedem-se.

Um filme de alta voltagem, sem necessidade de artifícios cénicos de maior, que se alimenta de personagens tão humanas como desagradáveis e cruéis, algo em que o cinema romeno é perito e rico em explorar.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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